Pulverizacao aerea no plantio de soja Sidrolandia, Cerrado. Foto: Thomas BauerO Tribunal Permanente dos Povos (TPP), tribunal internacional de opinião, com sede em Roma, aceitou denúncia movida pela Campanha em Defesa do Cerrado sobre o processo em curso de ecocídio contra o Cerrado decorrente da intensa expansão da fronteira agrícola ao longo do último meio século sobre essa imensa região que cobre cerca de 1/3 do território brasileiro. Com o lema “é tempo de fazer acontecer a justiça que brota da terra”, mais de 50 organizações que compõem a Campanha apresentaram a denúncia que aponta a responsabilidade compartilhada entre o Estado brasileiro, Estados estrangeiros e seus bancos de desenvolvimento, Organizações Internacionais, em particular o Banco Mundial, agentes privados, empresas transnacionais do agro-hidro-minero negócio e fundos de pensão e investimento por esta ocupação predatória do Cerrado e o consequente genocídio cultural de seus povos. As organizações dão especial ênfase para as rupturas democráticas no Brasil a partir de 2016 e a ascensão do fascismo, racismo e antiambientalismo do governo Bolsonaro para o aprofundamento da sobreposição de crises e possível ameaça de irreversibilidade do ecocídio em curso.A denúncia visibiliza que o Cerrado como a savana mais biodiversa do mundo é fruto do constante manejo da paisagem por povos originários e comunidades tradicionais há cerca de 15 mil anos. A região, hoje tida como berço das águas de onde nascem alguns dos principais rios e aquíferos da América do Sul, é reconhecida como espaço de conexão e trânsito entre diversos ecossistemas e suas espécies no continente. O encobrimento desta realidade social e ecológica com a identificação do Cerrado como um “vazio demográfico” é destacado na denúncia como parte do histórico processo colonial e do racismo estrutural intrínsecos a processos de ecocídio e genocídio de outros povos. Como “terra de ninguém”, sem gente e sem biodiversidade, as organizações denunciam a legitimação da captura de terras, águas e recursos do cerrado, com escala e intensidade de pilhagem, por poucas corporações da cadeia de commodities agrícolas e minerais, em nome do chamado “desenvolvimento”.Em um contexto de múltiplas crises ambientais e climáticas - quando a ampla erosão da biodiversidade em escala planetária tem gerado sucessivos surtos de doenças zoonóticas e o desmatamento tem provocado escassez hídrica e contribuído para o aumento de eventos climáticos extremos -, a devastação do Cerrado e a expropriação de se seus povos se tornam uma questão socioambiental de gravidade para todo o planeta.A denúncia apresentada pela Campanha reivindica a necessidade de:deter o ecocídio em curso contra o Cerrado antes que este seja extinto;de contar a verdade sobre a relevância e diversidade ecológica e cultural do Cerrado e seus povos;de resgatar a memória, muitas vezes por meio de acontecimentos transmitidos pelos mais velhos das comunidades, sobre tantas violências, expulsões e cercamentos das áreas de uso comum;de parar a impunidade da qual os grileiros e empresas têm desfrutado nas violações aos direitos dos povos, mas também no continuado assédio, manipulação, humilhação e divisão das comunidades utilizadas em suas estratégias para construir hegemonia social;de obter justiça e reparação no marco dos conflitos que ainda enfrentam e no direito à posse de seus territórios;GRAIN como uma das organizações parte da Campanha em Defesa do Cerrado, convida a todes a conhecer a Sessão Cerrado do Tribunal Permanente acessando o site: https://tribunaldocerrado.org.br/. A Live de acolhimento da denúncia pelo Presidente do TPP e jurados pode ser vista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ecDUgHBmgXs“Há cinco séculos nasceu esse sistema que globalizou a desigualdade nas trocas, e fixou um preço em todo o planeta e nos seres humanos. Para viver, para sobreviver, precisa da desigualdade como os pulmões precisam do ar […]. O direito internacional é filho do direito da conquista, o qual o presidente do TPP chama de “seu pecado original” […]. Nos acostumaram a esquecer-nos do que merece memória, a aceitar o presente como destino: e, contudo, estamos reunidos na certeza de que o mundo pode e deve ser casa de todos, e que há outro direito possível, o qual não declara como legítima a injustiça […]”.- Eduardo Galeano em “500 anos de solidão” por ocasião da Sessão sobre a Conquista da América Latina e o Direito Internacional no TPP.