Pivô central, fazenda no município de Balsas, Maranhão. Foto: Thomas Bauer Não vamos morrer de sede à beira dos rios do Cerrado:Declaração pública do Tribunal Permanente dos Povos evidencia processo de geração de escassez de água em curso no Cerrado Brasileiro causado pelo agronegócio e a mineração.Como seguimento à aceitação da denúncia de ecocídio do Cerrado brasileiro e de genocídio cultural em curso contra seus povos, foi realizada nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro, a primeira das três audiências temáticas da sessão Cerrado do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) sobre as violações ligadas ao acesso à água.Encomendadeiras de Almas, fazendo o obituário pela morte de um riacho em Correntina, Bahia. Foto: Thomas Bauer O painel de juízes para esta seção incluiu: Antoni Pigrau Solé, professor de Direito Internacional na Universidade Rovira i Virgili de Tarragona, Espanha; Deborah Duprat, jurista e ex-Procuradora-Geral Adjunta da República do Brasil; Mons. José Valdeci da Diocese de Brejo, Brasil; Eliane Brum, jornalista brasileira; Enrique Leff, economista e sociólogo ambiental mexicano;Rosa Acevedo Marín, socióloga venezuelana e professora da Universidade Federal do Pará; Silvia Ribeiro, jornalista e pesquisadora uruguaia do Grupo ETC; Teresa Almeida Cravo, professora portuguesa de relações internacionais na Universidade de Coimbra, e Philippe Texier, jurista francês e atual presidente do TPP,No dia 10 de dezembro, devido a “gravidade e urgência das evidências apresentadas” na audiência, o juri proferiu uma declaração pública sobre suas considerações sobre o processo de apropriação e poluição das águas do cerrado, embora esta não represente nenhuma decisão por parte do TPP, que será emitida apenas na audiência final após todo o processo de produçaõ de provas no próximo ano). Dentre os pontos ressaltados pela declaração sobre as evidências apresentadas pelos seis casos, destacamos:o contexto de interesse prioritário do Cerrado não somente para o Brasil, mas também para outros contextos onde os chamados “planos de desenvolvimento” se traduzem em projetos que violam os direitos fundamentais, individuais ou coletivos, entre eles o direito à dignidade, o direito à autodeterminação e o direito à vida – ou tratam sua perda como “efeito colateral” ou “sacrifícios necessários”;o reconhecimento dos povos do Cerrado como uma realidade com características culturais, de trabalho e de civilização que estabelecem relação íntima com o bioma, suas águas e seus fluxos, e que devem ser consideradas invioláveis, respeitadas e autônomas, independentemente de planos de “desenvolvimento” propostos por agentes externos, sejam eles públicos ou particulares ou resultado de alianças de conivência, que vão na direção da destruição ou marginalidade estrutural dos povos do Cerrado;os processos massivos de grilagem (roubo de terras), concessão ilegal de terras ou ainda doação pelos poderes públicos de terras públicas e devolutas ocupadas tradicionalmente por povos e comunidades (algumas de milhões de hectares!) em favor de empresas do agronegócio e mineração;o cercamento e uso intensivo – legal e ilegal - de milhões de litros d`água por dia desviados para projetos de irrigação (por meio de pivôs, poços e piscinas de armazenamento) para os monocultivos instalados – de soja e eucalipto principalmente-; e barramentos feitos pela mineração; como também a poluição pelo uso também intensivo de agrotóxicos por pulverização aérea ou pelo emprego de metais pesados e outros químicos pela mineração. O que vem gerando sinais de mortes de centenas de nascentes e rios no bioma e a consequente inviabilidade de sobrevivência de seus povos;A escalada progressiva do desmatamento – legal e ilegal –, principalmente nas áreas de recarga das águas, os chapadões, e a expulsão dos membros das comunidades, por meio da geração de escassez de recursos naturais essenciais à sua sobrevivência, ou por meio de violência física e psicológica e até assassinatos, por milícias e empresas de segurança privada;A ausência de qualquer procedimento de consulta livre prévia e informada, conforme obriga da Convenção 169/OIT, aplicável a todos os casos apresentados, como também o uso do sistema de justiça para legalizar violações ou ainda minimizar a responsabilidade do estado e das corporações pelos danos causados às comunidades e ao meio ambiente.GRAIN vem monitorando as graves consequências do sistema agroalimentar industrial, em especial, o movimento massivo de captura de terras e recursos naturais do sul global e a consequente expropriação de pequenos agricultores e comunidades locais de seus territórios. Como viemos denunciando há mais de uma década, vários destes casos de landgrabbing por fundos de pensão e investimentos e corporações do agronegócio estão no Cerrado brasileiro, cuja disponibilidade de água para irrigação, principalmente da soja, é um dos principais motivos de sua incorporação como zona de expansão e investimentos das cadeias globais de valor do agro-hidro negócio. Recente reportagem produzida pelo jornal El ARA evidencia a violência da cadeia global de soja para o Cerrado e seus povos.Manifestações em Correntina, Bahia. Chegou a reunir 12 mil pessoas em uma cidade com cerca de 12.600 pessoas com o lema "Ninguém morrerá de sede às margens do rio Arrojado". Foto: Thomas Bauer A Audiência temática das Águas foi construída no processo do Tribunal Permanente dos Povos, como mais um instrumento político para fazer ecoar a voz dos povos e comunidades que co-constituem o Cerrado como “berço das águas” para o Brasil e toda a América Latina, que denunciam: “não é possível admitir que se morra de sede vivendo à beira dos rios do Cerrado”. Para assistir aos dois dias da audiência temática das águas:Dia 30.11: https://www.youtube.com/watch?v=ohILHgXSBrA ;Día 01.12: https://www.youtube.com/watch?v=sjXiDGlb1tgPara assistir ao evento de divulgação do pronunciamento dos jurados, clique aqui.A declaração pública da audiência temática das águas.