As sementes camponesas - pilares na produção alimentar - estão em ataque em todo lado. Quer por pressão corporativa, quer por leis que, gradualmente, têm colocado limitações aos camponeses e camponesas em muitos países, no que devem fazer com suas próprias sementes. Estas experiências adicionais ilustram ainda mais os ataques às sementes - mas também resistências populares - ao redor do mundo, como descrito na brochura "Leis de sementes que criminalizam camponeses : resistência e luta" Argentina: A indústria dos GM faz pressão por uma lei que criminaliza os camponeses Na Argentina, a nova lei das sementes atualmente proposta visa favorecer a indústria colossal de cultivos GM, com a qual a Argentina produz 14% da produção mundial. Desde 2003 que a Monsanto tenta alterar a lei para cobrar direitos sobre as suas sementes de soja transgénica cultivada em 21 milhões de hectares na Argentina. Uma vez que a Argentina não permite o patenteamento das sementes, a empresa chegou mesmo a tentar impedir que os carregamentos do país chegassem aos mercados europeus, mas sem sucesso. Em 2012, o governo argentino anunciou uma emenda na lei e a abertura de uma nova fábrica de processamento para milho GM, na cidade de Córdoba. Desde então que a resistência é forte. Organizações de camponeses e movimentos sociais fizeram a denúncia de que a lei estava a ser negociada em segredo e que a Monsanto estava a colaborar com o governo a nível nacional e internacional. O projeto-lei de 2012 é extremamente restritivo e criminaliza os camponeses e camponesas. Ao abrigo dessa lei, os agricultores só podem conservar as suas próprias sementes se elas forem rotuladas, mas não as podem trocar ou vender. Para além disso, os direitos de PVP sobre as sementes estendem-se a variedades semelhantes à variedade declarada. Por ouro lado, a lei permite a apreensão e destruição de sementes conservadas nas próprias terras e não-autorizadas, pelas quais os camponeses podem até ser presos. O projeto-lei prevê ainda que a lei será aplicada por agentes privados, como forças de segurança que trabalham para as próprias empresas das sementes. Dada a forte resistência e a organização dos movimentos sociais da Argentina, o Parlamento não aprovou a lei. Em 2014, o governo apresentou uma nova versão, dizendo que esta já tinha em conta os camponeses e agricultores de pequena escala. Embora mantenha todos os elementos negativos da anterior, a nova proposta já inclui a disposição de que as sementes camponesas conservadas não serão sujeitas ao pagamento de direitos, desde que os agricultores registem as suas colheitas junto do governo. A resistência, porém, não enfraquece. Canadá: A luta para continuar a utilizar as variedades tradicionais Nos anos 2004 e 2005, os camponeses canadenses junto com seus aliados conseguiram impedir com sucesso a promulgação da lei que teria introduzido UPOV ’91 ao Canadá, onde o UPOV ’78 já estava sendo efetivo. Mas no atual contexto do tratado de livre comércio com a Europa, por um lado, e com os países do litoral do Pacífico, por outro, o anúncio de uma nova lei que impulsiona o UPOV foi apresentado pelo governo para reformar a legislação de direitos sobre variedades vegetais (Plant Breeders Rights, PBR, em imglés) do Canadá. Esta nova lei proíbe a qualquer pessoa vender, reproduzir, adaptar ou ter estoque de sementes das variedades protegidas por direitos sobre variedades vegetais sem a permissão do criador das sementes, apenas com poucas exceções. A lei permitia que os agricultores reproduzissem e adaptassem sementes para uso das suas próprias posses - uma previsão chamada “privilégio do agricultor”. No entanto, sem ter a capacidade de “armazenar” sementes, o chamado “privilégio do agricultor” seria inútil. Embora a lei tenha passado eventualmente, pressões constantes e fortes dos camponeses canadenses forçaram ao governo do Canadá a incluir uma reforma que especificasse que os agricultores têm direito de armazenar as sementes que eles produzem/reproduzem, assim como ter condições de usá-las nas suas próprias posses sem pedir permissão para pagar regalias aos criadores. No entanto, a nova lei gera obstáculos para os produtores e abre portas para outras restrições e custos. Isto é, proporciona um marco legal para fixar um sistema de colheita de regalias finais. Aliás, inclui uma cláusula de “recuperação” que permite que os futuros governos promovam regulações que restrinjam o armazenamento de sementes por tipo de cultivo, tipo de estabelecimento e número de ciclos de cultivo. Até agora, este poder regulatório não tem sido executado, e, se assim fosse, algumas organizações camponesas no Canadá resistirão fortemente frente aquilo. O Acordo Econômico Comercial Global CETA (em inglês) entre o Canadá e a União Europeia, no qual também se opõem algumas organizações de agricultores canadenses, estenderia o poder das companhias de sementes mesmo se finalmente se ratificassem. O CETA permitiria que as cortes ordenassem confiscar preventivas de sementes, colheitas e outros empreendimentos dos agricultores considerados “suspeitosos” de ter violentado os direitos sobre variedades vegetais de alguma companhia de sementes. Aqueles agricultores suspeitosos de ter infringido poderiam provocar a destruição das suas sementes ou colheitas assim como os materiais e implementos usados para produzir as sementes, antes sequer deles tiverem oportunidade de se defender na corte judicial. Tais mudanças nas leis de sementes estão acontecendo num longo contexto de recortes drásticos nos programas de criação e custodia pública de variedades vegetais, na qual ocorre um processo de privatização, monopólio e toma de controle dos mercados de sementes em mãos de empresas estrangeiras envolvidas na indústria dos praguicidas. Os camponeses estão lutando contra a privatização das sementes, mas também estão encontrando e fazendo alianças com promotores urbanos de alimentos, com pessoas que têm hortas caseiras, com organizações eclesiásticas e de trabalhadores, assim como também com grupos de consumidores que têm colaborado em campanhas públicas para mostrar que o controle corporativo sobre as sementes é o maior obstáculo para alcançar a soberania alimentar. Os esforços têm sido feitos através de todo o território do Canadá com a finalidade de reconstruir os sistemas camponeses de sementes e também das políticas das sementes em benefício deles. Nova lei ameaça as sementes da República Dominicana Na primavera de 2014, um membro do senado da República Dominicana fortemente associado à indústria introduziu uma nova lei para a comercialização das sementes. Desde então que as organizações de camponeses se mobilizam para exigir que se emende a lei e que se consultem as organizações de agricultores. Segundo o projeto-lei que o senado já aprovou, as variedades camponesas seriam excluídas do mercado por não preencherem os requisitos DUE. Para além disso, o projeto-lei proíbe a troca não-comercial de sementes não registadas. As sanções por o fazerem incluem sentenças de até dois anos de prisão e multas de até 250 vezes o salário mínimo. Tal como no caso da nova vaga de leis das sementes a serem aprovadas por toda a América Latina, o Artigo 82º estipula que se os camponeses transgredirem a lei, as suas sementes poderão ser confiscadas. A atual proposta também inclui cláusulas ambíguas que, à primeira vista, poderiam parecer positivas, como uma que propõe a restrição da utilização das sementes passíveis de provocar “contaminação genética”. Contudo, os camponeses alertam que essa cláusula não se refere necessariamente aos OGM, podendo ser interpretada como fazendo referência às variedades camponesas que a indústria julgue estarem a “contaminar” as suas “variedades melhoradas”, como aconteceu no Peru, com o algodão local. Guatemala: Mobilizações maciças ganharam uma vitória sobre uma Lei da Monsanto Em outubro de 2014, após meses de protestos nas ruas, o congresso da Guatemala votou a rejeição daquilo que se conhecia como a “Lei da Monsanto” — uma lei PVP que proibiria os camponeses e camponesas de reproduzir sementes de variedades privatizadas. Antes do anúncio, o Tribunal Constitucional já concordara suspender determinados artigos da lei. As organizações de camponeses tinham instaurado um processo, argumentando que a lei era inconstitucional por violar o direito dos povos maias ao cultivo tradicional das suas terras. Surgiram mobilizações maciças por todo o país. Os camponeses não só invadiram as ruas da capital, como também bloquearam algumas das estradas principais do país. Até se fecharam escolas de algumas comunidades, para que os estudantes se pudessem juntar aos protestos. A Lei da Monsanto fora introduzida por imposição do acordo de comércio livre EUA-República Dominicana-América Central (CAFTA), que a Guatemala ratificou em 2005. A lei proibiria os camponeses de replantar, transportar ou vender sementes com proteção PVP sem autorização. Ao abrigo dessa lei, poderiam enfrentar penas de prisão de um a quatro anos, bem como multas de entre 1000 e 10000 quetzais (EUA$130-1300). Embora os Media tenham apresentado a rejeição da “Lei da Monsanto” como uma grande vitória, as organizações da Guatemala só a consideram uma vitória parcial. Ainda há uma lei anterior, a Lei da Propriedade Industrial, aprovada em 2000, que contém disposições semelhantes. Em resultado, os camponeses e camponesas — que perfazem 70% da população — prometem continuar a mobilizar-se para desafiar a lei da Propriedade Industrial e permanecer atentos a qualquer tentativa de reintrodução de um projeto-lei de PVP. Sri Lanka: As sementes camponesas tornam-se ilegais Os camponeses do Sri Lanka opõem-se atualmente a uma nova proposta de lei intitulada “Lei Material das Sementes e da Plantação”. Organizados numa rede de mais de 700 organizações que trabalham pelos direitos dos camponeses, fizeram marchas e protestos maciços. O novo projeto-lei exigiria o registo obrigatório dos camponeses e a certificação das suas sementes. Para além de exigir que o governo mantivesse uma lista de produtores e fornecedores de sementes, a lei autorizaria os oficiais governamentais a entrar de assalto nas terras com sementes “ilegais”. Caso encontrassem as referidas sementes “ilegais”, os agricultores teriam de pagar um mínimo de Rs. 50000 (EUA$380) e estariam sujeitos a penas de prisão de até seis meses. A lei beneficia as sementes industriais, tornando-as as únicas legalizadas, em detrimento dos camponeses e dos programas estatais que produzem colheitas essenciais, como a do arroz. Os partidários da lei dizem que ela é necessária para proteger os camponeses de sementes de má qualidade no mercado. Os camponeses e camponesas, por sua vez, argumentam que isso não os preocupa muito, porque, ao nível das aldeias, sabem quem produz as sementes que compram localmente. A questão da má qualidade das sementes no mercado respeita mais às empresas multinacionais que querem salvaguardar os seus monopólios. Com a lei, essa proteção alarga-se a outros “materiais de plantação” — incluindo o estrume verde que os camponeses produzem —, a favor das empresas que produzem insumos sintéticos. Por fim, os camponeses do Sri Lanka também receiam que a nova lei possa interferir na sua utilização coletiva das sementes. Em muitas aldeias, os camponeses têm pequenas casas de sementes que as distribuem ao nível local. Com a nova lei, essas casas também seriam proibidas. Para além de perderem as próprias sementes que se adaptam aos seus gostos e necessidades, a compra de sementes certificadas e outros insumos seriam um encargo demasiado pesado que lhes poderia custar a subsistência. Por esse motivo, os camponeses e camponesas do país inteiro estão a mobilizar-se. Em outubro de 2014, um grupo de 4000 camponeses, trabalhadores rurais, pescadores e apoiantes da soberania alimentar e da reforma fundiária passaram por 25 cidades diferentes numa Caravana para a Soberania Alimentar e das Sementes. Para além de marchas e comícios, apresentaram as colheitas e fizeram demonstrações teatrais para explicar ao público nas ruas o que pretendem proteger e defender com a sua luta. Espanha: Os mercados locais de sementes e verduras atravessam uma crise Na Espanha, a crise económica levou as pessoas a procurar a agricultura de pequena escala como alternativa, sobretudo os jovens que estão desempregados. Muito desses jovens agricultores e jardineiros organizam-se coletivamente e produzem diretamente para os consumidores locais. Em geral, interessam-se pelas variedades camponesas locais e voltaram-se para redes nacionais de conservação de sementes que organizam feiras de sementes. Aí, trocam-se sementes e fazem-se workshops para ensinar a selecionar e a desenvolver cultivos. Só na região da Andaluzia, a rede de sementes locais conserva mais de 600 variedades de 90 cultivos diferentes e colabora com jardins coletivos mantidos por organizações comunitárias e escolas. No entanto, tal como acontece em muitas outras partes da Europa, as redes não podem vender as sementes, porque as locais não preenchem os requisitos impostos pelo catálogo oficial. Mesmo que preenchessem, a sua certificação seria demasiado dispendiosa e burocrática. Em resultado, as organizações de sementes e agricultura da Espanha pressionaram os governos locais a aplicar políticas favoráveis à promoção das sementes locais. Um exemplo é uma norma da Catalunha. Aí, o governo local compilou um catálogo de “variedades locais de interesse agronómico” para a região. Por um lado, a norma é bem-vinda, porque estabelece padrões não-DUE para o registo das variedades. Mas, por outro lado, é controversa, porque impõe limites geográficos às vendas (na Catalunha) e restringe as quantidades que podem ser vendidas. Acontece que as sementes só podem ser vendidas a agricultores não profissionais, o que é um problema para quem subsiste à custa da agricultura camponesa de pequena escala. As redes de sementes e agricultores também receiam que as leis locais possam conduzir a novas restrições. Por exemplo, uma fundação da Catalunha, cujo objetivo é “utilizar o potencial agronómico e nutricional como fonte de valor acrescido”, pegou em três variedades de tomate para obter e conseguiu cobri-las com um certificado de Proteção das Variedades Vegetais por um período de 25 anos. Para além disso, a fundação serviu-se do quadro legal das indicações geográficas para delimitar a zona de venda das variedades tradicionais de feijão, comercializando-as como marca local e, portanto, restringindo a área onde esse feijão pode ser cultivado. Preocupadas com isso, algumas redes de sementes de outras partes da Espanha começaram a registar as variedades locais de cultivos como os dos tomates, recorrendo a outros esquemas, para tentar evitar a sua apropriação. Tudo isso conflui numa situação em que alguns agricultores se sentem atolados num quadro legal em que conservar e utilizar as variedades locais significa excluir as outras. Na Espanha o debate prossegue. Poderão as leis desfavoráveis redigidas para a indústria ser contrapostas com leis locais? Como nos podemos certificar de que as sementes serão consideradas um bem comum sem lhes restringir a utilização? Leis de sementes que criminalizam camponeses : resistência e luta Tabela de conteúdos Introdução 1. As leis de sementes ilegalizam as sementes camponesas 2. As sementes africanas: Um tesouro ameaçado 3. Américas: A resistência maciça contra as “leis da Monsanto” 4. Ásia: A luta contra uma nova vaga de sementes industriais 5. Europa: Camponeses e camponesas esforçam-se por resgatar a diversidade agrícola Conclusão Mais recursos Aja! – Cartaz publicado pela GRAIN e La Via Campesina Mais experiências dos países – publicado pela GRAIN e a La Via Campesina Acordos comerciais que privatizam as sementes – Publicação da GRAIN