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Trigo Transgênico: no nosso pão, não!

by Campanha permanente contra os Agrotóxicos e pela vida frente | 2 Jun 2021


Parceiros do GRAIN na Argentina e Brasil vem mobilizando as campanhas contra a aprovação do Trigo transgênico.

Compartilhamos o abaixo- assinado promovido pela Campanha permanente contra os Agrotóxicos e pela vida frente a possível liberação no Brasil, a fim de apoiar as lutas pelo livre uso da biodiversidade e das sementes pelos camponeses, em defesa da soberania alimentar na América Latina.


O governo brasileiro pode liberar a importação e o consumo de trigo transgênico no Brasil. O produto foi geneticamente modificado para ser resistente a um agrotóxico altamente perigoso já proibido na Europa e em outros países. Se aprovada, a medida afetará a alimentação de todos os brasileiros.

O produto foi liberado recentemente para plantio na Argentina, com a condição de que o Brasil aprove sua importação. Isso porque nosso país é o destino das exportações de mais de 50% do trigo argentino. Essa é uma situação inédita, que afeta a soberania dos países enquanto poucas multinacionais lucram.

Se o trigo transgênico for aprovado no Brasil, não só os brasileiros, mas os argentinos e países com Indonésia, para onde vai 20% do trigo argentino, serão afetados. A aprovação também poderá abrir as portas para o plantio de trigo transgênico em outras partes do mundo, especialmente no Brasil.

Confira a seguir porque devemos ser contra essa medida.

1 – Porque aumentará o consumo de agrotóxicos

Como já vimos no caso da soja, os transgênicos com resistência a herbicidas aumentam em muito o consumo de agrotóxicos, já que foram desenvolvidos justamente para isso. Mais do que representar uma semente com vantagens para os consumidores, a liberação do trigo transgênico representará a garantia de mercado para Bayer-Monsanto e outras multinacionais venderem herbicidas à base de glufosinato de amônio, produto extremamente tóxico.

2 – Porque o herbicida de uso casado com o trigo transgênico é ainda mais tóxico que o glifosato usado na soja e no milho transgênicos

O glifosato já foi classificado pela OMS como potencial cancerígeno. O glufosinato de amônio é um herbicida ainda mais tóxico que o glifosato. O produto é amplamente questionado e proibido em muitos países por sua alta toxicidade aguda e seus efeitos teratogênicos, neurotóxicos, genotóxicos e de alteração da colinesterase. Está proibido em toda a União Europeia por sua classificação como tóxico para o sistema reprodutor (1b), o que significa que não cumpre com a Regulação n.1107/2009 da União Europeia.

3- Aprovação casada Brasil-Argentina e o descarte da soberania

Numa decisão inédita, o governo argentino aprovou a produção dessa variedade transgênica de trigo, desde que o Brasil aprove a importação do produto. Cerca de 88% do trigo que consumimos vem da Argentina. Essa é uma decisão comercial que mostra total descompromisso com a saúde da população e do meio ambiente. O que significará esse acordo caso aprovado pelo Brasil? Deveremos comprar toda a produção transgênica argentina, a que preço e por quanto tempo? Cabe lembrar que o órgão de biossegurança no Brasil, a CTNBio, em seus 15 anos de existência, nunca recusou um único pedido de liberação de transgênico. Diante desse histórico, aprovar a liberação para importação e consumo agora significa necessariamente uma aprovação para cultivo mais adiante, uma nova reedição da política do fato consumado. O potencial do cultivo de trigo no Brasil, por sua extensão e capacidade exportadora, representa uma ameaça a consumidores do mundo inteiro.

4- Porque um novo veneno extremamente tóxico estará presente no pão nosso de cada dia

O trigo conforma parte importante da base alimentar no mundo inteiro: nos pães, massas, pizzas, bolos, salgados, biscoitos, entre outros. A partir dessa autorização, o trigo terá resíduos de glufosinato de amônio que serão incorporados às farinhas e seus derivados, ou seja, haverá a presença dessa substância em alimentos básicos de consumo diário. Toda a população estará exposta à ingestão desse veneno em sua alimentação cotidiana. Recentemente, a Anvisa rebaixou a classificação toxicológica do glufosinato no Brasil. Muitas pesquisas apontam exatamente o contrário, mas a decisão da Agência de Saúde visa passar para a sociedade uma falsa noção de segurança.

5 – A liberação do trigo GM pode contaminar toda a cadeia alimentar

O trigo é uma planta de autofecundação predominante, mas também pode cruzar com outras plantações próximas. Os dados científicos apontam uma taxa de fecundação cruzada entre 1 e 14%. A prática já mostrou há anos que a coexistência é impossível. Como já visto no caso da soja, que também se autofecunda, depois de liberada uma semente transgênica toda a cadeia alimentar se contamina. Se internamente o governo brasileiro nunca se importou em segregar a produção transgênica da não-transgênica, imagina depender de outro país para não ter todo o consumo de trigo contaminado?

No caso do milho, planta que é polinizada pelo vento, já vimos no Brasil o impacto da contaminação do milho transgênico aos milhos crioulos e convencionais. Milhares de camponeses, indígenas e comunidades tradicionais têm perdido suas variedades todos os anos e até agora nenhuma medida de coexistência aplicada se mostrou eficaz para combater a contaminação. Ao contrário, temos normativas frágeis que favorecem justamente os grandes produtores de milho transgênico.

6- Porque esse trigo foi desenvolvido para continuar aplicando um pacote tecnológico (plantio direto e uso intensivo de agrotóxicos) que já demonstrou seus impactos socioambientais e à saúde

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO acaba de afirmar que “chegamos ao limite do paradigma da revolução verde” e que alcançar uma agricultura sustentável requer uma abordagem integrada. Os transgênicos significam um aprofundamento da “revolução verde” e avançar para a produção agroecológica livre de venenos e transgênicos é o principal desafio que enfrentamos hoje como humanidade.

7- Porque um fenômeno climático extremo como a seca é usado como um argumento falacioso para introduzir uma tecnologia de eficácia duvidosa

A imprensa tem noticiado a aprovação na Argentina de um trigo transgênico resistente à seca. Manchete muito conveniente em tempo de crise climática. Há matérias que sequer mencionam que a semente foi geneticamente modificada para resistência a um herbicida extremamente tóxico e já proibido na Europa e em outros países. Além disso, a planta modificada também carrega genes de resistência a antibióticos, que com o tempo podem tornar ineficaz certos medicamentos. A suposta tolerância à seca é anunciada pela empresa dona da tecnologia como sendo a segunda geração da biotecnologia. A resistência à seca é resultado da ação combinada de um conjunto de genes na planta, e as técnicas de engenharia genética até o momento desenvolvidas conseguem transferir apenas um ou poucos genes. Não por acaso as tentativas de obter via transgenia plantas resistentes à seca foram abandonadas devido ao insucesso nos Estados Unidos. Assim, a suposta resistência à seca aparece mais como elemento de propaganda para desviar a atenção de que o cultivo dessa nova variedade transgênica significará a exposição de argentinos, brasileiros e demais consumidores no mundo de um produto carregado de resíduos de veneno extremamente tóxico.


Assinatura do Manifesto Contra o Trigo Transgênico


8- Porque fazem parte da destruição do sistema de ciência e tecnologia que afirmam defender

Porque precisamos da ciência brasileira para ouvir as vozes da transformação e apoiar a Agroecologia e a soberania alimentar que hoje são uma realidade nos territórios das organizações camponesas e dos agricultores familiares. Precisamos de uma ciência independente que denuncie as ações das empresas do agronegócio com seus impactos na saúde e ambiente. Rejeitamos a cumplicidade dos setores científicos e dos processos decisórios que são parceiros de empresas de biotecnologia. Esses acadêmicos são responsáveis pelas consequências que seus “desdobramentos” produzem nos territórios (desmatamentos, incêndios florestais, problemas de saúde, entre outros).

9- Porque não queremos consumir alimentos transgênicos

No Brasil é obrigatória a rotulagem de OGM. As empresas e processadores do agronegócio têm muita clareza de que os brasileiros não os querem, não os escolhem, por isso buscaram diversas vezes buscar a derrubada da rotulagem dos transgênicos por via judicial ou projetos de lei. A “equivalência substancial” (argumento empresarial que diz que um transgênico é igual a um alimento convencional) é um conceito sem nenhum fundamento científico quando usado para avaliar a segurança de um OGM. Portanto, nada garante que o pão que comemos seja igual em suas características e no impacto em nosso corpo de um pão feito com trigo convencional.

10- Porque as autorizações não surgem de setores independentes

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio é o órgão responsável pelas decisões sobre transgênicos no Brasil. A Comissão é formada por 27 doutores, muitos deles ligados ao desenvolvimento da biotecnologia. Em 15 anos de funcionamento, a CTNBio nunca rejeitou um pedido de liberação comercial de transgênicos, na grande maioria dos casos desconsiderando a produção científica independente que mostra evidências de risco desses produtos. No caso do trigo, cujo pedido, até o momento, é para importação e consumo, será julgado pela Comissão sem que esta tenha nomeado os especialistas em defesa do consumidor que devem compor o quadro técnico da CTNBio.

11- Porque o trigo transgênico já foi rejeitado no mundo

Após a rejeição de vários setores ligados à comercialização de trigo na América do Norte (como o Canadian Wheat Council), a Monsanto retirou seu trigo resistente ao glifosato em 2004, reconhecendo que “como resultado da revisão de nosso portfólio e no diálogo com os líderes da indústria do trigo, reconhecemos que as oportunidades de negócios para o trigo de primavera Roundup Ready são menos atraentes em relação a outras prioridades de negócios. “

Na Argentina, um grupo de organizações da cadeia do trigo expressou “O prejuízo que ocorreria ao mercado de trigo argentino seria irreparável e irreversível, pois a contaminação se espalhará e a segmentação é inviável”. Esta posição foi adotada pelas seguintes organizações: Sacos de Cereais de Buenos Aires, Bahía Blanca, Córdoba, Chaco, Entre Ríos e Santa Fé; a Bolsa de Valores de Rosário, a Câmara dos Moleiros Industriais; os Centros de Exportação de Cereais, centro dos corretores; a federação da indústria de moagem, os catadores; e as quatro entidades da Mesa de Enlace (CRA, Coninagro, FAA e Sociedad Rural Argentina). Argentrigo também expressou preocupação com esta aprovação.

A indústria brasileira de moagem acaba de manifestar o mesmo, que em levantamento interno afirmou que 85% não eram favoráveis ao uso do trigo transgênico e 90% se declararam dispostos a suspender as compras do trigo argentino. Representantes da Associação Brasileira da Industria de Panificação e Confeitaria (Abip), da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi) e da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) já se pronunciaram contra o trigo geneticamente modificado.

12- Porque não foi garantida a participação da sociedade civil e não se permitiu o debate central para a aprovação: os efeitos do uso do glufosinato de amônio no trigo transgênico.

A CTNBio realizou uma audiência pública no dia 22 de outubro de 2020. A própria CTNBio indicou os expositores, nenhum deles ligados à defesa dos consumidores. Os inscritos como ouvintes poderão enviar uma única pergunta, por escrito, que foi escolhida pela mesma CTNBio para ser respondida.

Na audiência, o representante da Bioceres, empresa solicitante da liberação, disse que o glufosinato não está permitido para uso no trigo na Argentina e que o veneno não seria utilizado, porque o gene de resistência seria “apenas um marcador” utilizado no processo de seleção da variedade. Assim, o debate na audiência sobre o o uso do glufosinato não foi realizado.

Porém, se não se utilizará o agrotóxico, porque ele foi aprovado na CONABIA (Comisión Nacional de Biotecnología Agropecuaria), o órgão de biossegurança da Argentina, e validado pela SENASA ( Servicio Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria) como trigo resistente ao glufosinato de amônio? E porque, no site da Bioceres, a quantidade mínima recomendada do herbicida é de 2 litros por hectare?

Portanto, se tratou de uma audiência pro forma, que excluiu o debate sobre o glufosinato de amônio, e que não subsidia o órgão que deverá tomar a decisão nem muito menos informa a sociedade sobre uma mudança radical que pode ser imposta à sua alimentação diária por um reduzido grupo de pesquisadores, em sua maioria favoráveis à liberação dos transgênicos. O vídeo da audiência e ata, que deveriam ser públicos, tampouco estão disponíveis na internet para a sociedade, não sendo possível verificar se o parecer da reunião respondeu às perguntas apresentadas.

13- Porque o trigo GM constitui uma entrega ao capital transnacional

A empresa Bioceres é Argentina, mas possui sua subsidiária “Bioceres Crop Solutions Corp”, que está na Bolsa de Valores de Nova York, e possui também alianças com Syngenta/Chemchina, Valent, Dow Agrosciences e tem entre seus acionistas a Monsanto. Além disso, embora o Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – CONICET e a Universidade Nacional do Litoral da Argentina tenham participado do desenvolvimento do evento e cada uma detenha 30% das patentes do mesmo, eles conferiram à Bioceres a licença de comercialização exclusiva de seus direitos, representando uma nova entrega ao grande capital transnacional.

Assinatura do Manifesto Contra o Trigo Transgênico

Author: Campanha permanente contra os Agrotóxicos e pela vida frente
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