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Controle digital: a entrada das Big Techs na produção de alimentos e na agricultura (e o que isso significa)

by GRAIN | 29 Jan 2021


As maiores empresas de tecnologia e plataformas de distribuição do mundo, como Microsoft e Amazon, começaram a entrar no setor de alimentos. O que isso significa para pequenos agricultores e sistemas alimentares locais?
  • Fortalecimento de uma poderosa integração entre as empresas que fornecem insumos agrícolas (pesticidas, tratores, drones, etc.) e aquelas que controlam o fluxo de dados e têm acesso aos consumidores.
  • Pelo lado dos insumos, o agronegócio se une à tendência ao induzir produtores rurais a utilizar aplicativos de celular para fornecer dados, com a justificativa de que pode, com isso, oferecer “recomendações” para eles.
  • Pelo lado da produção, vemos que grandes corporações de plataformas eletrônicas estão investindo para entrar no setor e assumir o controle da distribuição de alimentos.
  • Juntas, elas favorecem o uso de insumos químicos e maquinário de alto custo, além de também promover a produção de commodities para o setor corporativo em detrimento a mercados locais. Incentivam a centralização, concentração e uniformização, além de serem suscetíveis a casos de abuso e monopolização.

Alguns anos atrás, a empresa japonesa de tecnologia Fujitsu criou o projeto-piloto de uma fazenda vertical em uma propriedade perto de Hanói. A fazenda de alta tecnologia, que mais parece uma fábrica, produz alface em prateleiras que ficam empilhadas dentro de uma estufa moderníssima completamente fechada e gerenciada por uma central de computadores no Japão. Os computadores se conectam a uma nuvem que a Fujitsu opera em parceria com uma das maiores varejistas de alimentos do Japão, a Aeon. É tudo impressionante e confuso: como pode uma quantidade tão grande de recursos e energia ser dispensada para a produção de algumas poucas bandejas de alface de baixo valor?

A economia improvável da agricultura vertical não diminuiu o apelo da iniciativa para o Vale do Silício. Desde 2014, as startups de fazendas verticais arrecadaram US$ 1,8 bilhão junto a investidores da tecnologia, como o fundador da Amazon, Jeff Bezos, e o japonês SoftBank. A cifra é maior do que todo o fluxo de investimento estrangeiro direto anual que vai para a agricultura. No entanto, apesar dos enormes fluxos de caixa, as fazendas de alta tecnologia construídas por essas empresas ocupam o equivalente a meros 30 hectares de terra ao redor do mundo.1 É pouco provável que isso represente um divisor de águas na produção global de alimentos.

Perto da fazenda vertical dos arredores de Hanói, a Fujitsu aposta no piloto de outra fazenda, que traz uma visão diferente e mais realista da entrada das empresas de tecnologia na agricultura. Localizada em um talhão comum, aberto, essa outra fazenda não parece diferir em nada das vizinhas. A única diferença significativa é que todos os trabalhadores da Fujitsu ali utilizam smartphones fornecidos pela empresa e têm seus movimentos monitorados. Horas de trabalho, produtividade e insumos empregados são anotados e registrados meticulosamente no Japão, na nuvem da empresa. É a aplicação, pela Fujitsu, da mais moderna tecnologia digital ao velho imperativo corporativo de maximizar a exploração do trabalho.2

Fazenda Fujitsu em Hanói, no Vietnã (2016). Fonte: GRAIN


É fundamental observarmos o que está além do alvoroço provocado por essas iniciativas. De fato, as tecnologias digitais podem ajudar agricultores, consumidores, trabalhadores rurais e o meio ambiente. Mas a tecnologia não se desenvolve em uma bolha. Ela é moldada por dinheiro e poder, duas coisas que, no setor da tecnologia, estão extremamente concentradas. Em uma era em que algumas poucas corporações detêm um controle sem precedentes sobre dados, comunicação e sistema alimentar, a evolução da agricultura digital poderá reforçar o poder e o lucro dessas empresas, a não ser que nos organizemos para impedir de forma ativa que isso aconteça.

Colhendo dados

No mundo da tecnologia digital, o poder está nos dados — na capacidade de coletar e processar quantidades imensas de dados. E assim como em outros setores da economia, as grandes corporações — empresas de tecnologia, provedoras de telecomunicações, redes de varejo, empresas de alimentos, agroindústrias e bancos — estão todas na disputa para coletar o máximo possível de dados sobre todos os nós (nodes) do sistema alimentar e encontrar formas de lucrar com eles. Esses esforços estão cada vez mais integrados e conectados, por meio de parcerias entre empresas, fusões e aquisição de controles societários, criando condições para que haja uma captura do sistema alimentar pelas grandes corporações, de forma muito mais profunda e integral.3

Sem dúvida, os maiores atores dessa mistura são as empresas globais de tecnologia, conhecidas como Big Techs. A Tabela 1 apresenta algumas de suas jogadas no setor de alimentos. Elas são novatas no ramo da agricultura, mas estão investindo pesado no setor, especialmente em plataformas digitais de informação conectadas aos serviços de armazenamento em nuvem que oferecem.

A Microsoft, por exemplo, está construindo uma plataforma de agricultura digital chamada Azure FarmBeats, que opera com a tecnologia global de armazenamento em nuvem da empresa, a Azure.4 A plataforma está sendo projetada para fornecer para os agricultores dados e análises em tempo real sobre condições de solo e água, crescimento de safra, controle de pragas e doenças e as iminentes mudanças climáticas que podem enfrentar. O valor dessas informações e recomendações depende do volume e da qualidade de dados que a Microsoft consegue coletar e analisar com algoritmos. Por isso, a empresa está firmando parcerias com líderes no desenvolvimento de drones agrícolas e sensores, e também com empresas que estão desenvolvendo tecnologias para receber informações transmitidas pela FarmBeats e agir a partir desses dados, como tratores de alta tecnologia, drones para pulverização de agrotóxicos e outros maquinários conectados à nuvem do Azure.

As empresas do agronegócio, sobretudo aquelas que vendem sementes, pesticidas e fertilizantes, têm uma vantagem com relação às Big Techs. Todos os grandes atores do setor têm aplicativos, já com uma cobertura de milhões de hectares de fazendas, que induzem agricultores e agricultoras a fornecer dados em troca de recomendações e descontos na aplicação de seus produtos (veja quadro: O agronegócio entra no digital). A Bayer, maior empresa de agrotóxicos e sementes do mundo, afirma que seu aplicativo já está sendo utilizado por fazendas com uma cobertura de mais de 24 milhões de hectares nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil, na Europa e na Argentina.

Xeque Mohammed bin Rashid, Vice-presidente e Primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos e Príncipe do Emirado de Dubai, conhecendo a Azure FarmBeats durante a GITEX 2020. Crédito: Perfil da Microsoft Emirados Árabes Unidos no Twitter


Assim como outras empresas do agronegócio, a Bayer precisa alugar a infraestrutura digital necessária para viabilizar seu aplicativo junto a uma das Big Techs que controlam os serviços de armazenamento em nuvem no mundo.5 No caso em questão, é a Amazon Web Services (AWS), maior plataforma de serviços de armazenamento em nuvem do mundo, à frente de Microsoft, Google e Alibaba. Assim como a Microsoft, a Amazon também está desenvolvendo sua própria plataforma de agricultura digital e tem o potencial de explorar os dados coletados pela Bayer e pelas inúmeras outras empresas que utilizam seus serviços de armazenamento em nuvem. Isso representa uma vantagem imensa sobre essas empresas, não apenas em termos de quantidade de dados que pode acessar, mas também pela capacidade de analisar esses dados e, no limite, lucrar com eles. Nesse sentido, a lógica que já começamos a ver aparecendo indica uma integração entre as empresas que fornecem insumos agrícolas (agrotóxicos, tratores, drones, etc.) e aquelas que controlam o fluxo de dados.6


O agronegócio entra no digital

Nos últimos anos, assistimos a uma explosão no número de aplicativos para celular oferecidos por empresas de pesticidas e fertilizantes para “ajudar” agricultores e agricultoras a tomar decisões sobre o que plantar, o momento de fazer a pulverização, quando fazer a colheita, entre muitas outras coisas.

Quando a Monsanto comprou a Climate Corporation por quase um bilhão de dólares em 2013, muita gente ficou sem entender. Por que uma agroquímica compraria uma empresa que vende seguros de proteção contra prejuízos ocasionados por variações climáticas para produtores rurais? Parte da resposta a essa pergunta está no “Climate FieldView”, uma série de aplicativos de celular que a empresa estava desenvolvendo para fazer com que agricultores enviassem dados sobre seus talhões em troca de recomendações sobre o que e quando plantar. Na época, a Monsanto afirmou que a “ciência de dados” poderia representar uma oportunidade de receita de US$ 20 bilhões para além de sua atividade principal de sementes e produtos químicos.7

O Fieldview8 já está funcionando, principalmente nos EUA. Isso sem falar que a Monsanto foi adquirida pela Bayer nesse meio tempo, integrando ainda mais a “ciência de dados”. A estratégia de fazer com que agricultores enviem dados em troca de “recomendações” parece interessante para qualquer empresa que tenha intenção de vender insumos químicos agrícolas. O sistema funciona basicamente da seguinte forma:
  • Você abre uma conta eletrônica pelo Fieldview e carrega dados sobre o histórico do talhão (em geral fornecidos por uma empresa de serviços da sua região) e vários outros tipos de dados (como informações sobre plantio, pulverização, sementes utilizadas, etc.).
  • Em seguida, instala no seu trator o “aplicativo Cab”, pequeno dispositivo de rastreamento que coleta dados sobre tudo que o trator faz no talhão e envia essas informações para a nuvem do FieldView Drive. A partir daí, a Bayer passa a ter acesso a todos os dados de atividades agrícolas que você capta e envia (densidade de sementes, uso de fertilizantes e químicos, etc.).
  • Com isso, a Bayer vai sobrepor suas informações com os conjuntos de dados da empresa sobre qualidade do solo, pragas e doenças, clima, umidade, etc., e elaborar recomendações sobre os produtos dela que você deve comprar para resolver qualquer problema — tudo pelo aplicativo.
  • Você pode vincular sua conta no Fieldview ao “PLUS Rewards” da Bayer para obter descontos e serviços relacionados a qualquer produto químico que conseguirem fazer você comprar, incluindo o herbicida “Roundup”, carro-chefe da corporação.
  • Aviso: isso tudo só serve para milho e soja.

A Bayer é apenas uma das empresas que querem ter acesso direto aos talhões de seus clientes para comercializar produtos. A BASF, por exemplo, oferece o aplicativo Xarvio com o mesmo objetivo9. O assistente “Scouting” ajuda a identificar ervas daninhas, doenças, insetos, etc. no talhão e prevê quando isso pode se tornar um problema. Já o “Field Manager” indica a hora e o volume de pulverização e fertilização e, se você quiser (e pagar uma taxa adicional), o aplicativo “Healthy Fields” oferece a opção de “deixar o planejamento, a implementação e a documentação de atividades de proteção de safras conosco”. Se você contratar esse serviço, a BASF envia os pulverizadores para seus talhões no momento em que julgar necessário.

Em 2019, a Syngenta comprou a Cropio, incluindo a líder da agricultura digital da Europa Oriental em sua plataforma digital que está em plena expansão, a CropWise. A Syngenta se vangloriou de que, com a aquisição da Cropio, foi “a única empresa agrícola a ter acesso a plataformas líderes de gestão nos quatro principais mercados do setor: Estados Unidos com Land.db, Brasil com Strider, China com Modern Agricultural Platform e, agora, Europa Oriental com Cropio. No total, mais de 40 milhões de hectares serão gerenciados pelo mundo com alguma ferramenta digital da Syngenta, e o plano era dobrar esse número até o final de 2020”.10

Para não ficar para trás, a Yara, maior empresa de fertilizantes do mundo, oferece todo um conjunto de ferramentas digitais para avaliar as necessidades de uso de fertilizantes, como o Yaralrix, que analisa o teor de nitrogênio pelo celular, e o Atfarm, que permite análise de talhões por imagens de satélite e aplicação seletiva de fertilizantes. E, claro, depois que você descobre o que precisa, a Yara já estará na mão para vender o produto.11



Cisão digital

Toda essa história pode parecer desconectada das realidades e necessidades das cerca de 500 milhões de pequenas famílias agricultoras do mundo, responsáveis por grande parte da produção mundial de alimentos. É evidente que os aplicativos de alta tecnologia, como tratores autônomos e drones de pulverização de agrotóxicos, não estão sendo desenvolvidos para elas. E um ponto ainda mais importante é que a qualidade das informações fornecidas pelas plataformas digitais só é boa na medida dos dados que coleta. Portanto, no caso de fazendas localizadas em áreas onde há grande coleta de dados (com exames regulares de solo, estudos de talhões, medições de desempenho da produção, etc.) e daquelas que podem arcar com as novas tecnologias de coleta de dados (como novos tratores, drones e sensores de campo), as empresas de tecnologia podem coletar, em tempo real, grandes volumes de dados de alta qualidade. Elas desenvolvem algoritmos para processar e analisar os dados e alegam que podem oferecer recomendações bastante específicas e úteis a esses agricultores com relação a aplicação de fertilizantes, uso de pesticidas e períodos de colheita. No entanto, também faz uma diferença imensa quando a área é de monocultura, pois a coleta e análise de dados fica extremamente facilitada, assim como a elaboração de recomendações.

Já pequenas propriedades rurais tendem a se localizar em áreas onde há pouco ou nenhum serviço de extensão e quase nenhuma coleta centralizada de dados de campo. Esses serviços foram sucateados em todo o Sul Global ao longo de décadas de ajuste estrutural. Além disso, as pequenas propriedades rurais não conseguem arcar com as onerosas tecnologias de coleta de dados que fazendas maiores têm condições de utilizar para alimentar a nuvem com informações. A consequência disso é que os dados coletados pelas empresas de tecnologia sobre pequenas propriedades rurais acabam sendo, inevitavelmente, de péssima qualidade.

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As empresas de tecnologia e os governos que promovem a agricultura digital não estão fazendo nada para enfrentar a falta de dados de campo sobre pequenas propriedades rurais. Enquanto são empregados recursos — principalmente públicos — em infraestrutura para conectar as populações rurais a redes de internet e celular, inclusive com a nova corrida pelo 5G, não há novos investimentos em serviços estatais de extensão rural. Aliás, os fornecedores de insumos que hoje oferecem um mínimo de extensão a agricultores que compram seus produtos estão olhando para a agricultura digital como forma de reduzir sua presença física no campo. O plano deles é contornar a defasagem de informações, utilizando dados de satélite e qualquer miscelânea de dados de campo que conseguirem coletar de agronomia pública e privada, organizações não governamentais (ONGs) e empresas de alimentos que ainda fazem visitas aos produtores e produtoras rurais.

As recomendações que os pequenos agricultores vão receber dessas redes digitais por mensagem de texto no celular não serão nada revolucionárias. E se esses produtores estiverem praticando a agroecologia e o plantio misto, as sugestões não terão nenhuma utilidade. De qualquer forma, o objetivo não é exatamente oferecer boas recomendações. Para as corporações que estão investindo na agricultura digital, o objetivo é integrar milhões de pequenos agricultores a uma imensa rede digital com um controle centralizado, onde são incentivados com insistência ou até mesmo obrigados a comprar os produtos da empresa (insumos, máquinas e serviços financeiros) e fornecer commodities agrícolas que serão revendidas.

Como as Big Techs e a inteligência artificial controlam nossas compras

As grandes plataformas de distribuição de alimentos estão utilizando cada vez mais programas de inteligência artificial (IA) para prever nossas preferências no consumo de alimentos e nos incentivar a comprar mais.

'Já que os produtos que compra ficam em seu cartão virtual, não pegue coisas para outras pessoas', Notificação para consumidores do Amazon Go. Fonte: Shinya Suzuki no Flickr
Will Broome é fundador da Ubamarket, empresa do Reino Unido responsável por um aplicativo de compras que permite que as pessoas paguem os itens pelo celular, criem listas e verifiquem os ingredientes e possíveis alergênicos dos produtos. “Nosso sistema de IA monitora os padrões de comportamento das pessoas, não de compra. Quanto mais você compra, mais a IA vai saber sobre o tipo de produto de que você gosta”, afirma. “O módulo de IA não tem apenas a finalidade de fazer o óbvio, mas também aprende com o uso e passa a antecipar respostas”, explica. “Com o aplicativo, vimos que a média de conteúdo de uma cesta aumenta 20%, e as pessoas que têm o aplicativo ficam três vezes mais propensas a voltar a comprar naquela loja”, destaca Broome.

O consultor de varejo Daniel Burke, da Blick Rothenberg, chama isso de “Santo Graal... para construir um perfil dos consumidores e sugerir produtos antes que eles percebam que era aquilo que queriam”.

Na Alemanha, uma startup de Berlim chamada SO1 está fazendo algo parecido com um sistema de IA para varejistas. A empresa afirma que o número de pessoas que compram a partir de sugestões de IA é nove vezes maior que o registrado em promoções tradicionais, mesmo quando o desconto é 30% menor.

A Amazon sabe bem o que é coleta de dados. A gigante da internet detém uma quantidade imensa de informações sobre seus consumidores, coletadas nas compras pela internet e também em produtos como o alto-falante interativo Echo Dot, que atende aos comandos do usuário. Agora, a empresa está expandindo para além do varejo digital, abrindo lojas físicas cheias de tecnologia de visão computacional auxiliada por IA. Isso significa que, nos supermercados Amazon Go, hoje com 27 operações nos Estados Unidos, as pessoas podem fazer compras sem interagir com nenhum ser humano nem caixa registradora. Basta passar o smartphone no leitor eletrônico ao entrar no estabelecimento, pegar o que deseja comprar e ir embora. A IA está de olho, obviamente, e envia a conta quando você terminar.

Em 2017, o setor estremeceu quando a Amazon comprou a Whole Foods Markets, importante rede de supermercados de orgânicos que tinha mais de 400 lojas nos Estados Unidos. A Amazon quer que você compre pela internet, mas não se importa se você quiser receber em casa ou buscar na loja: agora ela oferece as duas opções. Sem dúvida, daqui a pouco a empresa vai começar a incentivar você a comprar determinados produtos com base nas suas preferências, que ela armazena em gigantescos bancos de dados.

Mais de três quartos das grandes varejistas de todo o mundo ou já têm sistemas de IA em funcionamento ou planejavam uma implementação até o fim de 2020, segundo a empresa de pesquisa Gartner. O analista Sandeep Unni, da consultoria, explica que a pandemia mundial acelerou essa tendência porque mudou drasticamente os hábitos de consumo das pessoas.

Tudo isso pode até parecer bom e conveniente para quem gosta de comprar pela internet, mas é ainda melhor para as grandes corporações, pois a tendência é comprar mais quando há um incentivo personalizado. Além disso, a popularização da construção personalizada de perfis, vinculada às compras pela internet, suscita grandes preocupações. Quem controla a quantidade massiva de dados que está sendo coletada, quem detém essas informações e o que está sendo feito com elas? “A experiência do consumidor está rapidamente se tornando a nova moeda”, afirma a Gartner.12 Então pode ser que suas preferências já estejam à venda, sendo oferecidas por aí em algum lugar para quem der o lance mais alto. E se o perfil das pessoas for construído a partir de raça, condição socioeconômica, sexualidade? E o que acontece com os pequenos comércios de alimentos e mercados locais que não podem se dar ao luxo de mergulhar na inteligência artificial?




Uma nuvem no horizonte

Nas últimas duas décadas, o cofundador da Microsoft, Bill Gates, injetou uma parte imensa de sua fortuna na tentativa de convencer pequenas e pequenos agricultores do Sul Global a adotar o que dizem ser "as opções mais modernas de sementes, pesticidas e fertilizantes", comercializadas e desenvolvidas pelas maiores empresas do agronegócio do mundo. Apesar dos milhões — talvez bilhões — investidos, nos centros internacionais de pesquisa que promovem essas tecnologias e programas, como a Aliança para uma Revolução Verde na África (Agra), esses esforços tiveram pouco impacto, e o índice de adoção dessas tecnologias continua baixo.13

Gates está apostando que a agricultura digital pode mudar isso. Em setembro de 2020, a Microsoft e a Agra formalizaram uma parceria14 para ajudar a Microsoft a expandir a plataforma Azure FarmBeats em todo o continente africano e aprofundar esforços conjuntos para implantar o Kuzabot, aplicativo de “chatbot” que oferece recomendações a pequenos agricultores via WhatsApp e SMS, incluindo informações sobre quais insumos usar e de que empresas comprar.15 A Microsoft já tinha uma parceria na Índia com um instituto de pesquisa financiado por Gates, o International Crops Research Institute for the Semi-arid Tropics (Icrisat), para um aplicativo parecido que fornecia recomendações sobre o melhor momento de semear, lançado por meio dos serviços de extensão rural do Governo do Estado de Karnataka.16

Ao mesmo tempo, a FarmBeats da Microsoft está integrando a sua plataforma a startup Climate Edge, dos Estados Unidos.17 A Climate Edge se apresenta como “uma corretora de big data para o setor agrícola em desenvolvimento”. Essencialmente, a startup agrega dados sobre pequenas e pequenos agricultores fornecidos por consultores agrícolas, ONGs, empresas e pesquisadores que utilizam a plataforma, e depois vende as informações para companhias de seguros, organismos de certificação, revendedoras de agrotóxicos, grandes empresas de alimentos como a Unilever, e até ONGs que querem provar que seus projetos aumentaram a produtividade.18

A Microsoft e seus parceiros não estão sozinhos no desenvolvimento de plataformas digitais de comunicação e dados que podem depois ser vendidos para empresas de agrotóxicos e outros atores que querem influenciar as escolhas das e dos agricultores. A Arifu, maior provedora de serviços de consultoria por “chatbot” para pequenas e pequenos agricultores do Quênia, tem como parceira a multinacional de sementes e agrotóxicos Syngenta. A Arifu afirma que sua plataforma digital “cria um ciclo de retorno ao gerar uma demanda por sementes Syngenta... Com a Arifu, a empresa atinge uma população que, sem esse apoio, só seria alcançada com investimento em embaixadores caros e escassos para atuar presencialmente”.19 Mas a economia de custos para empresas de insumos como a Syngenta é apenas a ponta do iceberg dos lucros que podem ser obtidos por quem controla o crescente espaço da agricultura digital.

Galpão da Twiga. Fonte: Site do Programa Global para Agricultura e Segurança Alimentar


No Quênia, a Arifu agora faz parte de uma plataforma digital maior chamada Digifarm, operada pela subsidiária queniana da Vodafone, a Safaricom. A Digifarm oferece serviços de chatbot como a Arifu, vende insumos e seguros rurais, oferece empréstimos e compra e vende produtos de milhões de pequenas e pequenos agricultores do país, tudo por meio da plataforma nacional de moeda digital da Safaricom, a M-Pesa. Para isso, a Safaricom cobra uma taxa em todas as transações. (Veja o quadro: Apostando em comunidades rurais)

A Digifarm e outras plataformas semelhantes de outras regiões do mundo estão sendo aclamadas por fornecer serviços financeiros a pessoas do campo que não teriam acesso a esse tipo de serviço de outra forma (o chamado “bancarizando os não bancarizáveis”). Mas isso mascara o que está acontecendo de fato.20 Essas plataformas não estão “bancarizando” o conhecimento de pequenas e pequenos agricultores nem suas diversas variedades de sementes e animais. Para se tornarem bancarizáveis, essas e esses agricultores precisam se adequar ao sistema: precisam comprar os insumos divulgados e vendidos no crédito (com altas taxas de juros), seguir as “recomendações” do chatbot para ter acesso ao seguro rural (que devem contratar a um custo), vender a safra para a empresa (a preços inegociáveis) e receber pagamentos por meio de um aplicativo de moeda digital (pelos quais pagam uma taxa). Qualquer desvio pode afetar a análise de crédito e o acesso do agricultor a financiamento e mercados. É agricultura por contrato em escala massiva.

“Eu... segui todas as lições do treinamento”, afirmou Wilson Kibet, agricultor queniano de 50 anos que contraiu um empréstimo da Digifarm com taxa de juros de 15% para comprar um pacote de sementes de milho híbrido e insumos químicos seguindo a recomendação que recebeu. “Disseram até para não intercalar feijão com as fileiras de milho.”21

Apostando em comunidades rurais

Em novembro de 2020, o Brasil lançou uma plataforma digital de alcance nacional para pagamentos e transferências instantâneas, chamada Pix. Com o novo aplicativo instalado no celular, a população brasileira agora pode fazer pagamentos e transferências de dinheiro 24 horas por dia, sete dias por semana, sem conta bancária.22 Atualmente, estima-se que 60 milhões de brasileiros — 35% da população do país — não têm conta em banco porque não têm condições de pagar as taxas, não têm endereço fixo ou os documentos pessoais necessários, ou moram em comunidades rurais isoladas, distantes de agências bancárias. Mas muitas dessas pessoas têm celular e podem acessar o Pix.

A situação é parecida com a de outros lugares. Segundo o Banco Mundial, 1,7 bilhão de pessoas no mundo não têm conta bancária, mas 1,1 bilhão delas têm celular. Existe, portanto, um enorme potencial no mercado financeiro que pode ser explorado pelas empresas de tecnologia, conhecidas como fintechs, substituindo as gigantes tradicionais do sistema financeiro.

Só na China, cerca de 224 milhões de pessoas não têm conta bancária. As duas gigantes da tecnologia do país — Alibaba e Tencent — estão avançando com planos agressivos de integrar suas operações principais de plataformas de comércio eletrônico com aplicativos de pagamento digital e divisões de microcrédito. Com isso, e a aplicação de uma taxa, elas negociam com bancos com base nos dados de compras compilados sobre cada consumidor ou consumidora. O potencial de lucro dessa integração é imenso e explica por que o braço de microcrédito da Alibaba, a Ant, levantou um recorde absoluto de US$ 3 trilhões na oferta pública inicial de ações (IPO) em outubro de 2020, no maior IPO da história. Preocupado com o impacto que o poder concentrado e a baixa supervisão de crédito poderiam ter na economia de modo mais amplo, o governo chinês apresentou novas regras de defesa da concorrência para as fintechs, levando a Ant a suspender o IPO de última hora.23

O controle do monopólio não é a única preocupação. A moeda digital cria novas possibilidades de roubo, fraude e endividamento, deixando especialmente vulneráveis as pessoas que têm pouca experiência com bancos e serviços financeiros. Também cria o potencial para que aumente a vigilância e o controle estatal, como é o caso da China, onde estão sendo desenvolvidos projetos para integrar plataformas de moeda digital com esforços estatais de controle do comportamento da população.24 E agricultoras e agricultores precisam questionar qual é o sentido de uma empresa como a Alibaba, que tem cada vez mais controle sobre os hábitos de consumo das pessoas, firmar parcerias com as maiores empresas do agronegócio para desenvolver inteligência artificial para a suinocultura intensiva.25



Os novos intermediários

Outra suposta vantagem dessas plataformas digitais que estão surgindo seria que elas acabariam com a dependência de “intermediários”.26 É verdade que as e os produtores rurais estão encontrando formas criativas de utilizar as plataformas digitais para vender diretamente a consumidores e consumidoras, sobretudo neste período de Covid-19, e também há muito potencial para usarem a tecnologia digital para fortalecer seu poder de negociação, ainda mais quando fazem isso por meio de cooperativas e outras estruturas coletivas. Mas mesmo nesses casos positivos, ainda é necessário que alguém faça o trabalho “intermediário” de coleta, distribuição e venda dos alimentos produzidos no campo e, em grande parte do mundo, esse trabalho ainda é feito por milhões de pequenos comércios e ambulantes — na maioria, mulheres que vendem alimentos em cidades próximas.

Loja da Amazon Go. Fonte: Shinya Suzuki no Flickr


Seria ótimo se as plataformas digitais fossem pensadas para ajudar a melhorar a comunicação e coordenação entre esses dois polos da cadeia de produção de alimentos e eliminar as corporações e os cartéis gananciosos que muitas vezes se colocam entre as duas pontas. Mas isso não é do interesse das corporações que hoje lançam plataformas de agricultura digital. O que elas vão fazer é utilizar essas plataformas para aumentar seu próprio poder de formação de preços (veja quadro: Atenção, produtores e produtoras rurais: Cingapura está de olho!) e controlar, com centros de comando invisíveis, as e os trabalhadores que estão no amplo “intermédio” do sistema de alimentos, assim como a Uber fez com os táxis e Rappi e iFood fizeram com o sistema de entregas de mercados e restaurantes pela internet na América Latina. As mulheres que trabalham no comércio e na venda no sistema de alimentos essencialmente se transformarão em prestadoras remuneradas pelas Big Techs por entrega e também consumidoras de seus produtos financeiros, pagando taxas sobre transações em moeda digital e juros por empréstimos no microcrédito.

Veja, por exemplo, a Twiga Foods, uma das várias startups de tecnologia agrícola financiadas pelo programa 4Afrika da Microsoft.27 A empresa foi fundada por um acadêmico dos EUA que, ao estudar os mercados atacadistas de Nairóbi, ficou convencido do potencial de conectar agricultores diretamente a pequenos fornecedores de modo a contornar os poderosos cartéis do setor. Com o apoio do Banco Mundial, da Microsoft e de mais algum capital de risco, a Twiga Foods construiu uma frota de caminhões para adquirir alimentos de agricultores perto de Nairóbi e enviá-los diretamente a uma rede de pequenos revendedores na cidade. Todas as transações, incluindo pagamentos, são organizadas por celular e executadas pela plataforma digital da Microsoft e pelos serviços de armazenamento em nuvem da Azure.28

Um dos fundadores da Twiga Foods, Grant Brooke. Fonte: www.1776


O sucesso inicial da Twiga chamou a atenção de grandes atores, que buscavam uma maneira de finalmente entrar no crescente mercado consumidor da África. A Goldman Sachs e a família francesa dona dos supermercados Auchan assumiram grande envolvimento com a empresa. A Twiga firmou parceria com a IBM, outra grande fornecedora de serviços de armazenamento em nuvem, para criar o projeto-piloto de um esquema de banco digital com seus revendedores. Mais recentemente, a Twiga também formou uma parceria com a maior varejista de comércio eletrônico do Quênia e hoje vende alimentos diretamente a consumidoras e consumidores, eliminando os pequenos revendedores que tinha intenção de atender quando foi criada. A Twiga também afirma que planeja “alavancar” a rede de supermercados da Auchan, que já está em pleno crescimento, para expandir na África Ocidental.29

Embora a Twiga possa ter criado processos eficientes no sistema de distribuição de alimentos do Quênia, o que passou a se economizar nesse processo não está sendo repassado a produtores e revendedores. O impacto mais significativo da Twiga foi ter transformado a distribuição de alimentos com praticamente a mesma força de trabalho, para permitir a entrada de corporações como intermediárias e possibilitar a extração de riquezas por elas.

A direção para onde as grandes corporações estão conduzindo a agricultura digital e a distribuição de alimentos se entrelaça com desdobramentos maiores no varejo. A pandemia de Covid-19 está acelerando uma guinada nas vendas do varejo de alimentos pela internet, setor que têm sido promovido de forma agressiva por grandes empresas de tecnologia como Alibaba e Amazon (ver quadro: Como as Big Techs e a inteligência artificial controlam nossas compras). À medida que tentam se afirmar em países onde o varejo de alimentos ainda está em grande parte nas mãos de redes de pequenos revendedores e comerciantes e/ou de sistemas atacadistas com regulação estatal, essas empresas conduzem uma campanha agressiva de promoção das plataformas digitais como opção preferencial para agricultores e agricultoras comercializarem seus produtos. Ao mesmo tempo, essas iniciativas escondem as próprias ambições monopolistas dessas empresas.

Na Índia, por exemplo, onde uma grande batalha é travada há anos impedir a entrada de grandes redes de varejo no país, as corporações estão agora utilizando o comércio eletrônico para colonizar o espaço varejista. O Walmart entrou na Índia em 2016 ao adquirir o controle da startup de varejo on-line Jet.com por US$ 3,3 bilhões. Mais tarde, em 2018, deu continuidade ao movimento com a aquisição do controle da maior plataforma de varejo on-line do país, a Flipkart, por US$ 16 bilhões. E a Amazon não fica muito atrás. Hoje, Walmart e Amazon controlam quase dois terços do setor de varejo digital indiano.

A expansão corporativa do varejo on-line na Índia é uma ameaça direta a milhões de ambulantes, pequenos e pequenas comerciantes e varejistas, lojas kirana e pequenos estabelecimentos familiares. Amazon e Walmart estão praticando preços predatórios, oferecendo descontos excessivos e adotando outras práticas comerciais desleais para atrair clientes para suas plataformas virtuais. Quando as duas empresas registraram mais de US$ 3 bilhões em vendas em apenas seis dias durante uma operação de marketing para o Diwali, o festival das luzes da Índia, os pequenos varejistas do país fizeram um apelo desesperado para que as plataformas de vendas pela internet fossem boicotadas.30

No entanto, mais corporações estão chegando para abocanhar um pedaço do crescente mercado de varejo digital da Índia. Em 2020, o Facebook e a gigante de private equity KKR, sediada nos EUA, se comprometeram com mais de US$ 7 bilhões com a Reliance Jio, loja digital de uma das maiores varejistas da Índia. Logo mais, a freguesia da Reliance Jio poderá fazer compras pelo aplicativo de envio de mensagens do Facebook, o WhatsApp.31

Ainda que o setor de compras pela internet não tenha decolado na América Latina como em outras regiões, já apresenta hoje uma taxa de crescimento fantástica. Esse aumento é impulsionado pela expansão de aplicativos de entrega para celular, como o “Rappi”, que oferece uma variedade de serviços, desde entrega de refeições a produtos de farmácia, de serviços financeiros a livros, para ficar em apenas alguns exemplos. A empresa registrou um crescimento extraordinário na América Latina, dobrando de tamanho a cada quatro ou cinco meses e se espalhando por nove países da região só nos últimos cinco anos. Com o slogan “Quem tem Rappi, tem tudo”, o aplicativo está hoje avaliado em US$ 3,5 bilhões. Segundo Luis Techera, da Rappi México, o valor estratégico da companhia está nas informações que coleta sobre o comportamento de compra de quem usa o aplicativo. “Se, por exemplo, a Gillette quiser lançar uma máquina de barbear nova, pode pedir para o Rappi enviar 100 mil amostras a pessoas entre 27 e 35 anos que moram em determinada região. O Rappi pode entregar… a todos os seus usuários que já compraram um barbeador da Gillette”.32

Atenção, produtores e produtoras rurais: Cingapura está de olho!

Em 2014, a Olam, terceira maior processadora de cacau do mundo, lançou o que chama de Sistema Olam de Informação do Produtor (Farmer Information System — Ofis) na Costa do Marfim e em Gana. A empresa, que tem sede em Cingapura, afirma que sua “tecnologia permite que suas equipes externas pesquisem e registrem, na hora e no local, milhares de fazendas, a paisagem do entorno e as circunstâncias sociais do agricultor”.

Os dados — incluindo tamanho da gleba, localização, idade do estoque (de árvores), infraestrutura econômica, social e sanitária e sistemas de apoio ecológico — são coletados sobre o nível da produção (ou seja, sem considerar aspectos de distribuição e venda) pela equipe externa capacitada da Olam em um dispositivo portátil... A equipe externa apresenta aos agricultores uma explicação breve de como os dados podem ser utilizados e garante que as informações pessoais seriam disponibilizadas apenas para a equipe da Olam e para clientes selecionados da empresa, de acordo com um contrato de Termos de Uso adequado, e, à parte disso, seriam estritamente confidenciais. Depois dessa explicação, o agricultor pode aceitar fornecer informações relevantes ou decidir sair do exercício. O banco de dados do Ofis pertence à Olam International Limited em Cingapura e todos os processos e protocolos relacionados a dados pessoais cumprem as leis e práticas do país. A tecnologia de GPS é amplamente utilizada para determinar a localização dos agricultores (com o chamado “geotagging”), assinalando glebas e mapeando os principais pontos de infraestrutura social das comunidades. Com um aplicativo para Android, os dados desse mapeamento e as pesquisas com agricultores e agricultoras alimentam o banco de dados da Olam e passam a ser visualizados em uma interface on-line de mapas e uma ferramenta de análise gráfica para gerar relatórios.”33

A Olam diz utilizar esses dados para ajudar produtores rurais a maximizar a produtividade e evitar o desmatamento. Mas como quem não quer nada, omite o fato de que poderia utilizar essa mesma coleta de inteligência para derrubar preços e maximizar seus próprios lucros.

Em Gana e na Costa do Marfim, pequenas e pequenos agricultores travam uma guerra antiga com a Olam e outros grandes operadores do mercado por causa dos preços do cacau. A assimetria de poder é tal que esses produtores ganham apenas US$ 1,31 por dia, bem abaixo do valor da linha da pobreza extrema, de US$ 1,90, definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) — e um quarto dessa renda vem de outras fontes que não do cacau.34 Em outubro de 2019, os governos de Gana e Costa do Marfim tomaram algumas medidas para melhorar a situação, exigindo que as empresas pagassem um “incremental de renda básica” de US$ 400 por tonelada para ajudar a aumentar o que se paga aos agricultores (o que já foi um passo para trás com relação ao esforço de estabelecer um piso, rejeitado pelas empresas). Mas agora os dois países afirmam que os grandes operadores do mercado já estão desestabilizando o programa, incluindo a Olam. Segundo os governos, a terceira maior processadora de cacau do mundo está deliberadamente reduzindo a compra de grãos de Gana e da Costa do Marfim para sabotar o programa “incremental de renda básica”.35
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Tornando a agricultura digital prática para as pessoas?

Sejam grandes ou pequenos, os agricultores já estão utilizando as novas tecnologias digitais. Como dizem as propagandas: “Existem muitas formas de fazer bom proveito dessas tecnologias para melhorar os sistemas alimentares para todo mundo. Quem seria contra os agricultores entenderem melhor a fertilidade do solo e a saúde da safra com um aplicativo de celular? Ou contra serviços que oferecem uma conexão mais direta com mercados e consumidores para comercializar produtos agrícolas?” O problema está em quem controla os dados e faz a recomendação, além de questões importantes com relação à segurança dos usuários nesses sistemas que ainda estão evoluindo e como eles podem facilitar o conluio entre empresas, a evasão fiscal e outros crimes. Além dessas questões, é preciso também discutir o impacto das próprias tecnologias digitais e de como elas afetam o conhecimento e as práticas locais de agricultores e agricultoras.

Existe uma série de iniciativas que buscam romper com a dependência dos serviços digitais de alta tecnologia promovidos à exaustão para as pessoas do campo e controlados por grandes corporações. Um deles é o “FarmHack”, comunidade global de agricultores e agricultoras que constroem e modificam suas ferramentas e compartilham informações de forma gratuita pela internet. Algumas empresas de TI novas estão protagonizando uma mudança para soluções não proprietárias para promover a troca de informações e pesquisas construídas a partir de contribuições coletivas, não apenas dentro de comunidades, mas também entre pequenos produtores e processadores que enfrentam situações parecidas ao redor do mundo, compartilhando, por exemplo, técnicas de controle de pragas.36

Na última década, despontaram diversas redes entre pessoas do campo de todo o mundo para compartilhar informações e recomendações, e muitas fazem uso de ferramentas digitais para se comunicar. Um exemplo recente do uso de ferramentas digitais para levar produtos agrícolas até quem vai consumir foi quando a crise da Covid-19 paralisou os canais oficiais de distribuição de alimentos. Em muitos lugares do mundo, agricultores e agricultoras recorreram à internet, buscando organizar mercados alternativos pelas redes sociais e ferramentas de comércio eletrônico. Em Karnataka, na Índia, começaram a usar o Twitter para postar vídeos de seus produtos e se conectar com compradores e compradoras. Em outros casos, recuperaram sistemas tradicionais de escambo para contornar a falta de dinheiro e combinar oferta e demanda.37

No Brasil, com o fechamento das feiras livres e da concentração da distribuição de alimentos em grandes supermercados onde pequenas e pequenos produtores não têm entrada direta, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) organizou um sistema de distribuição com uma cooperativa de taxistas e um grupo de consumidores, com uma operação digital pelo WhatsApp e uma página na internet onde divulga o cardápio semanal de itens disponíveis. Hoje, a chamada “infocesta” chega a oferecer uma média de 300 cestas por semana, composta principalmente por alimentos frescos, e atende cerca de 3 mil consumidores e consumidoras na região metropolitana do Rio de Janeiro.38 A logística é organizada por cerca de 40 “Unidades de Produção Camponesa”.

Todas essas excelentes iniciativas são conduzidas no nível local e merecem nosso total apoio. Mas a questão é se elas conseguirão resistir ao ataque de plataformas e serviços que grandes empresas estão desenvolvendo e implementando com um forte viés favorável à agricultura industrial. Como vimos neste relatório, essas corporações favorecem o uso de insumos químicos e maquinário de alto custo, além da produção de commodities para o setor corporativo em detrimento de mercados locais. Incentivam a centralização, concentração e uniformização, além de serem suscetíveis a casos de abuso e monopolização. Com isso, apenas aprofundarão as diversas crises que afligem o sistema global de alimentos.

É preciso resistir a essa tomada de controle corporativo da agricultura digital em todos os lugares. Para isso, quem produz os alimentos (pequenas e pequenos agricultores, comunidades pesqueiras, pequenos varejistas, ambulantes, trabalhadoras e trabalhadores rurais, entre outros) precisa agir em conjunto para romper o poder das Big Techs e de seus bilionários e lutar por uma visão diferente, baseada na participação democrática e diversificada na produção e na troca de conhecimentos e informações.

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Tabela 1. Empresas e instituições que estão entrando na agricultura digital

Envolvimento das maiores empresas de tecnologia digital do mundo na agricultura digital
Microsoft
  • Desenvolveu o projeto FarmBeats, que oferece uma variedade de tecnologias controladas pela nuvem da Microsoft para promover uma agricultura “orientada por dados” e monitorar e analisar condições de solo, água, safras, além de dados climáticos e meteorológicos atualizados.
  • Iniciativa 4Afrika da Microsoft com a Agra para desenvolver uma solução tecnológica para a agricultura de Quênia, Nigéria, Ruanda, Gana, Tanzânia, Uganda, Maláui e Etiópia.
Apple
  • Tem colaboração com a Agworld para desenvolver o Apple Watch de agricultura de precisão, para centralizar o gerenciamento da fazenda, fornecendo informações agronômicas e histórico de cultivo do talhão; retratos das finanças da fazenda; notificações com recomendações de agrônomos e informações sobre quando o talhão está pronto para a colheita. O Apple Watch da Agworld está disponível nos EUA, na Austrália, na Nova Zelândia, na África do Sul e no Chile.
  • A Apple também lançou o aplicativo Resolution, software de gerenciamento rural baseado na nuvem que traz um mapa da gleba para registrar e armazenar eventos e tarefas do dia a dia na fazenda.
Amazon
  • Adquiriu a Whole Foods por US$ 16 bilhões e investiu mais de US$ 500 milhões em estoques de alimentos na Índia e na Austrália.
  • O Amazon Web Service (AWS) oferece tecnologia de agricultura de precisão para integrar dados agrícolas em nível global. Entre os usuários do AWS estão a Indian Farmers Fertilizer Cooperative Limited (IFFCO), o projeto WeFarm da África e a japonesa Yanmar, que desenvolveu uma “estufa inteligente” (Smart Greenhouse).
  • A Farmobile ajuda os produtores a coletar e interpretar dados agrícolas e a ganhar dinheiro com isso.
Facebook
  • Investiu US$ 5,7 bilhões na Reliance Jio, maior operadora de telefonia móvel da Índia. No início de 2020, a Jio lançou o Jio Krishi, aplicativo para celular voltado para o produtor. O app oferece recomendações sobre técnicas de agricultura de precisão e auxilia nas decisões de pequenos proprietários ao fornecer dados sobre questões como plantio, irrigação e controle de pragas.
Google
  • Desenvolveu o Earth Map em conjunto com a plataforma geoespacial Hand-in-Hand, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), para oferecer uma ferramenta de big data sobre clima, meio ambiente e informações agrícolas.
Alibaba
  • Lidera a fusão entre on-line e off-line no varejo de alimentos, com um investimento de US$ 12,7 bilhões em lojas físicas e no processo de aquisição na varejista francesa Auchan, por US$ 3,6 bilhões.
  • Adquiriu 57% de participação na Milk New Zealand Dairy para assegurar a venda on-line de mais de 9,5 mil litros de leite por semana para a China.


Envolvimento das maiores empresas de tecnologia digital do mundo na agricultura digital
Syngenta/ChemChina
  • Em 2019, a Syngenta comprou a plataforma digital Cropio para avançar no trabalho que vem conduzindo para entrar na agricultura digital. No total, mais de 40 milhões de hectares no mundo serão gerenciados com o uso de alguma ferramenta digital da Syngenta, e o plano era dobrar esse número até o final de 2020.
Bayer/Monsanto
  • A Bayer tem o Climate FieldView, cortesia da Monsanto, e o climate.com, que adquiriu alguns anos atrás.
BASF
  • A BASF tem o Xarvio: ajuda a identificar ervas daninhas, doenças, insetos, etc. no talhão e prevê quando isso pode se tornar um problema, trazendo recomendações sobre o momento da pulverização e fertilização.
  • Agora, a BASF está implementando uma joint venture com a gigante da tecnologia Bosch para promover a agricultura digital.
Corteva
  • A Corteva tem o Granular: “Para cada semente e cada talhão, a Granular oferece as ferramentas certas para enfrentar os desafios em todos os aspectos da sua operação”
FMC
  • A FMC Corp. anunciou o lançamento da inteligência agrícola Arc, plataforma exclusiva de agricultura de precisão que afirma proporcionar a produtores e consultores a possibilidade de prever com maior precisão a pressão de pragas antes que isso se torne um problema.


Envolvimento de instituições internacionais na agricultura digital
Agra
  • A Microsoft tem uma parceria com a Agra para promover a transformação digital na agricultura. Faz parte da iniciativa 4Afrika da Microsoft. “Agradecemos muito a oportunidade de aproveitar o suporte de arquitetura digital da Microsoft para ecossistemas digitais e plataformas de big data”, afirma Vanessa Adams, vice-presidente de Parcerias Estratégicas e Coordenadora de Projetos da Agra.
CGIAR
FAO
  • A Google e a FAO lançaram uma nova ferramenta democrática de Big Data. “Estou convencido de que será possível transformar nossos sistemas alimentares para alimentar o mundo com uma agricultura digital”, afirmou o Diretor-Geral da FAO, Qu Dongyu.
Banco Mundial
  • O Banco Mundial financia diversas iniciativas de agricultura digital. Na visão da instituição: “As tecnologias digitais podem representar uma redução significativa nos custos necessários para se conectar vendedores e compradores. Também podem promover a redução das desigualdades no acesso à informação, ao conhecimento, às tecnologias e aos mercados e representar um auxílio para agricultores tomarem decisões mais precisas sobre o gerenciamento de recursos, com o fornecimento, processamento e análise cada vez mais ágil de uma quantidade cada vez maior de dados. Além disso, têm o potencial de reduzir as economias de escala na agricultura e, assim, melhorar a competitividade de pequenos produtores.”




NOTAS

1Emiko Terazono, "Vertical farming: hope or hype?" Financial Times, 31 de outubro de 2020: https://www.ft.com/content/0e3aafca-2170-4552-9ade-68177784446e; Os dados sobre investimento financeiro direto são do FAOSTAT: http://www.fao.org/faostat/en/#data/FDI
2Em 2016, a equipe de GRAIN visitou as operações da Fujitsu nas proximidades de Hanói.
3Pat Mooney, "Too big to feed", Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES–Food), 2017: http://www.ipes-food.org/_img/upload/files/Concentration_FullReport.pdf. O ETC Group produziu relatórios excelentes sobre a concentração empresarial nos setores de alimentos e tecnologia, e também sobre questões relacionadas à digitalização do sistema alimentar. Visite: https://www.etcgroup.org/
4“Azure FarmBeats”, acessado em novembro de 2020 https://www.microsoft.com/en-in/campaign/azure-farmbeats/#anchor-2
5Precision Planting, “FieldView plus frequently asked questions”, acessado em novembro de 2020, https://cloud.precisionplanting.com/fv/faq
6IPES–Food, “Too big to feed: Exploring the impacts of mega-mergers, concentration, of power in the agri-food sector”, 2017, http://www.ipes-food.org/_img/upload/files/Concentration_FullReport.pdf
7Bruce Upbin, “Monsanto Buys Climate Corp For $930 Million”. Forbes, 2 de outubro de 2013. https://www.forbes.com/sites/bruceupbin/2013/10/02/monsanto-buys-climate-corp-for-930-million/?sh=47e57d69177a
8Climate Fieldview: https://climate.com/
9Xarvio Digital Farming Solutions: https://www.xarvio.com/global/en.html
10Syngenta, “Syngenta acquires Cropio”, 2 de setembro de 2019, https://www.syngenta.com/en/company/media/syngenta-news/year/2019/syngenta-acquires-cropio
12Gartner, “Gartner Predicts At Least Two Top Global Retailers Will Establish Robot Resource Organizations to Manage Nonhuman Workers By 2025”, 4 de fevereiro de 2020. https://www.gartner.com/en/newsroom/press-releases/2020-02-04-gartner-predicts-at-least-two-top-global-retailers-wi
13Fundação Rosa Luxemburgo, “False promises: The alliance for a green revolution in Africa (AGRA)”, julho de 2020
14“Microsoft reaffirms its commitment to the Alliance for a Green Revolution in Africa to support digital transformation in agriculture”, 20 de setembro de 2020, https://news.microsoft.com/en-xm/2020/09/22/microsoft-reaffirms-its-commitment-to-the-alliance-for-a-green-revolution-in-africa-to-support-digital-transformation-in-agriculture/
15Agra, “AGRA Covid-19 situation report”, 29 de maio de 2020. https://agra.org/wp-content/uploads/2020/06/Sit_Rep_May_29.pdf
16“Digital Agriculture: Farmers in India are using AI to increase crop yields”, 7 de novembro de 2017,
https://news.microsoft.com/en-in/features/ai-agriculture-icrisat-upl-india/; Plataforma de big data na agricultura da CGIAR, “webinar on scaling in practice”, 10 de novembro de 2020, https://bigdata.cgiar.org/blog-post/webinar-scaling-in-practice/
17“The world's first services marketplace for smallholder agriculture”, https://www.climate-edge.com/
18Ryan Loftus, “The future of farming: The startup digitizing agriculture in developing nations”, https://www.kaspersky.com/blog/secure-futures-magazine/climate-edge-agriculture-technology/28968/
19“Meet Arifu, the social enterprise that uses technology to empower the BoP!”, 10 de junho de 2018, https://medium.com/@benandalex/meet-arifu-the-social-enterprise-providing-education-without-borders-8bd52e13c5a5
20Gianluca Iazzolino, “Harvesting data: Who benefits from platformization of agricultural finance in Kenya?”, 29 de março de 2019, https://developingeconomics.org/2019/03/29/harvesting-data-who-benefits-from-platformization-of-agricultural-finance-in-kenya/
21Duncan Miriri, “Credit from Safaricom's farming app sows seeds of change in Kenya”, Reuters, 15 de junho de 2020, https://ca.reuters.com/article/idUSL8N2DH3EW
22Fernanda Bompan e Álvaro Campos, “Volume diário de transações no Pix surpreende e já ultrapassa R$ 50 milhões”, Valor, 12 de novembro de 2020: https://valor.globo.com/live/noticia/2020/11/12/pix-ja-teve-135-mil-transacoes-em-um-unico-dia-diz-vilain-da-febraban.ghtml
23Sun Yu, “China’s banking regulator signals tougher fintech antitrust laws”, Financial Times, 11 de novembro de 2020: https://www.ft.com/content/843b3f60-292b-431f-a94c-93c78bc72bae
24Nicole Kobie, “The complicated truth about China's social credit system”, Wired, 7 de junho de 2019: https://www.wired.co.uk/article/china-social-credit-system-explained
25Xiaowei Wang, “Behind China’s ‘pork miracle’: how technology is transforming rural hog farming”, Guardian, 8 de outubro de 2020: https://www.theguardian.com/environment/2020/oct/08/behind-chinas-pork-miracle-how-technology-is-transforming-rural-hog-farming
28"Kenyan agriculture and logistics company unlocks market access across the country", site da Microsoft, 22 de julho de 2020: https://customers.microsoft.com/en-ca/story/832373-twiga-foods-professional-services-microsoft365-en-kenya
29“Twiga Foods entices France’s richest family”, 12 de junho de 2019, https://www.dhahabu.co.ke/2019/06/12/twiga-foods-entices-frances-richest-family/
30GRAIN, “Black Diwali: E-commerce eats away at the livelihoods of small retailers”, 26 de novembro de 2019, https://www.grain.org/en/article/6362-black-diwali-e-commerce-eats-away-at-the-livelihoods-of-small-retailers
31TechCrunch, “Reliance and Facebook pilot JioMart grocery shopping on WhatsApp”,
32 “Más que tu dinero, a Rappi le interesan tus datos”, Forbes Mexico, January 6, 2020. https://www.forbes.com.mx/mas-que-tu-dinero-a-rappi-le-interesan-tus-datos/
33Zoe Maddison, “Olam Farmer Information System (OFIS): improving smallholder productivity and livelihoods”, in FAO e ITU, "E-agriculture in Action: Big Data for Agriculture," 2019: https://www.itu.int/en/ITU-D/ICT-Applications/Documents/Publications/Big%20Data%20for%20Agriculture.pdf
34Terry Slavin, "Extreme poverty still fuelling deforestation from cocoa in West Africa’’, Reuters, 10 de março de 2020: https://www.reutersevents.com/sustainability/extreme-poverty-still-fuelling-deforestation-cocoa-west-africa
35Isis Almeida et al., “Chocolate war: Hershey, Mars accused of trying to undermine cocoa farmers’ pay”, Los Angeles Times, 1 de dezembro de 2020: https://www.latimes.com/business/story/2020-12-01/chocolate-war-cocoa-growers-hershey-mars-ghana-ivory-coast
36IPES-Food, op cit, http://www.ipes-food.org/_img/upload/files/Concentration_FullReport.pdf
37 GRAIN, “Millions forced to choose between hunger or Covid-19”, maio de 2020. https://grain.org/e/6465
38 Cesta camponesa de alimentos saudáveis: http://www.cestacamponesa.com.br/estatica/index.php

Author: GRAIN
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  • [4] https://www.agworld.com/au/
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  • [7] https://aws.amazon.com/what-is-aws/?nc1=f_cc
  • [8] https://aws.amazon.com/solutions/case-studies/iffco/
  • [9] https://wefarm.org/
  • [10] https://aws.amazon.com/blogs/iot/aws-iot-driven-precision-agriculture/
  • [11] https://aws.amazon.com/partners/success/farmobile/
  • [12] https://www.gizbot.com/apps/news/reliance-jio-krishi-app-for-farmers-065482.html
  • [13] https://www.syngenta.com/en/company/media/syngenta-news/year/2019/syngenta-acquires-cropio
  • [14] https://climate.com/
  • [15] https://www.xarvio.com/global/en.html%20/%20https:/www.xarvio.com/br/pt.html***
  • [16] https://www.agriculture.com/technology/crop-management/bosch-and-basf-establish-joint-digital-technology-venture-0
  • [17] https://granular.ag/
  • [18] https://www.prnewswire.com/news-releases/fmc-corporation-announces-new-arc-farm-intelligence-platform-301063523.html
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  • [20] https://www.cio.co.ke/microsoft-agra-partner-to-enhance-digital-offering-in-agriculture/
  • [21] https://bigdata.cgiar.org/
  • [22] https://news.microsoft.com/en-in/features/ai-agriculture-icrisat-upl-india/
  • [23] https://reliefweb.int/report/world/google-and-fao-launch-new-big-data-tool-all
  • [24] https://www.worldbank.org/en/topic/agriculture/publication/future-of-food-harnessing-digital-technologies-to-improve-food-system-outcomes
  • [25] https://www.ft.com/content/0e3aafca-2170-4552-9ade-68177784446e
  • [26] http://www.fao.org/faostat/en/#data/FDI
  • [27] http://www.ipes-food.org/_img/upload/files/Concentration_FullReport.pdf
  • [28] https://www.etcgroup.org/
  • [29] https://www.microsoft.com/en-in/campaign/azure-farmbeats/#anchor-2
  • [30] https://cloud.precisionplanting.com/fv/faq
  • [31] https://www.forbes.com/sites/bruceupbin/2013/10/02/monsanto-buys-climate-corp-for-930-million/?sh=47e57d69177a
  • [32] https://www.xarvio.com/global/en.html
  • [33] https://www.yara.com/crop-nutrition/products-and-solutions/precision-farming/
  • [34] https://www.gartner.com/en/newsroom/press-releases/2020-02-04-gartner-predicts-at-least-two-top-global-retailers-wi
  • [35] https://www.rosalux.de/en/publication/id/42635
  • [36] https://news.microsoft.com/en-xm/2020/09/22/microsoft-reaffirms-its-commitment-to-the-alliance-for-a-green-revolution-in-africa-to-support-digital-transformation-in-agriculture/
  • [37] https://agra.org/wp-content/uploads/2020/06/Sit_Rep_May_29.pdf
  • [38] https://bigdata.cgiar.org/blog-post/webinar-scaling-in-practice/
  • [39] https://www.climate-edge.com/
  • [40] https://www.kaspersky.com/blog/secure-futures-magazine/climate-edge-agriculture-technology/28968/
  • [41] https://medium.com/@benandalex/meet-arifu-the-social-enterprise-providing-education-without-borders-8bd52e13c5a5
  • [42] https://developingeconomics.org/2019/03/29/harvesting-data-who-benefits-from-platformization-of-agricultural-finance-in-kenya/
  • [43] https://ca.reuters.com/article/idUSL8N2DH3EW
  • [44] https://valor.globo.com/live/noticia/2020/11/12/pix-ja-teve-135-mil-transacoes-em-um-unico-dia-diz-vilain-da-febraban.ghtml
  • [45] https://www.ft.com/content/843b3f60-292b-431f-a94c-93c78bc72bae
  • [46] https://www.wired.co.uk/article/china-social-credit-system-explained
  • [47] https://www.theguardian.com/environment/2020/oct/08/behind-chinas-pork-miracle-how-technology-is-transforming-rural-hog-farming
  • [48] https://www.microsoft.com/africa/4afrika/african-agri-tech.aspx?wt.mc_id=AID2418386_QSG_PD_SCL_378707
  • [49] https://customers.microsoft.com/en-ca/story/832373-twiga-foods-professional-services-microsoft365-en-kenya
  • [50] https://www.dhahabu.co.ke/2019/06/12/twiga-foods-entices-frances-richest-family/
  • [51] https://www.grain.org/en/article/6362-black-diwali-e-commerce-eats-away-at-the-livelihoods-of-small-retailers
  • [52] https://techcrunch.com/2020/04/26/reliance-and-facebook-pilot-jiomart-orders-on-whatsapp/
  • [53] https://www.forbes.com.mx/mas-que-tu-dinero-a-rappi-le-interesan-tus-datos/
  • [54] https://www.itu.int/en/ITU-D/ICT-Applications/Documents/Publications/Big%20Data%20for%20Agriculture.pdf
  • [55] https://www.reutersevents.com/sustainability/extreme-poverty-still-fuelling-deforestation-cocoa-west-africa
  • [56] https://www.latimes.com/business/story/2020-12-01/chocolate-war-cocoa-growers-hershey-mars-ghana-ivory-coast
  • [57] https://grain.org/e/6465
  • [58] http://www.cestacamponesa.com.br/estatica/index.php