https://grain.org/e/6587

Do golpe político ao golpe fundiário no Brasil

by ATTR, ABRA, CPT, GRAIN | 15 Dec 2020
Caderno de Estudo


A FAO estima que até 2050 haverá um avanço de cerca de 70 milhões de hectares da fronteira agrícola no mundo, porém seu cálculo aponta uma redução de 63 milhões de hectares nos países desenvolvidos e, portanto, uma intensificação do incremento em cerca de 132 milhões de hectares nos países em desenvolvimento do sul global. Todas as terras consideradas como as “últimas terras agricultáveis” para o avanço da fronteira agrícola no mundo estão em países do sul global, e a extensão continental do Brasil coloca suas terras e recursos no centro de uma nova corrida por terras.

Sob a égide do boom das commodities agrícolas e minerais, principalmente pós 2008, a intensificação da corrida por terras no país vem alimentando um aumento do desmatamento, violência e grilagem de terras. Como consequência, a pressão pela disputa das terras públicas no país vem sendo particularmente intensa neste período.

O Brasil vem realizando reformas em seus marcos legais a fim de facilitar os investimentos, principalmente estrangeiros, no mercado de terras e de recursos naturais. Em 2012, a aprovação do Código Florestal promoveu a regularização ambiental dos imóveis rurais por meio do perdão do desmatamento ilegal realizado até 22.07.2008 de cerca de 29 milhões de hectares, assim como permitiu o desmatamento legal e a incorporação de mais 88 milhões de hectares de vegetação nativa para o aumento da fronteira agrícola.

Há hoje um certo acordo global para perdoar os desmatamentos históricos a fim de certificar a produção do ponto de vista ambiental. A Diretiva sobre energia renovável de 2018 da União Europeia também passou a considerar os produtos importados como “livre de desamamento” (deforestation free), aqueles oriundos de áreas desmatadas até 2008. Não por outro motivo, Brasil vem sendo o principal parceiro comercial da UE para importação de soja.

Mas foi em fins de 2016, pouco depois do golpe institucional contra a Presidenta eleita Dilma Roussef, que cerca de 26 marcos legais da legislação agrária foi revolvido, a fim de autorizar uma espécie de legalização da grilagem de terras públicas federais no país. Aproveitando-se de um regime de exceção típico de golpes políticos, o presidente de ocasião, Michel Temer, por meio de uma medida provisória que depois viraria Lei, passa a autorizar uma massiva transferência de terras públicas para mãos privadas ao conferir perdão ao crime de invasão de terras públicas para aquelas ocupações ocorridas até 22.07.2008, - mesma data do perdão ao desmatamento do Código Florestal. A edição da referida medida provisória foi um dos principais legados do pós-golpe institucional.

Portanto, a partir do milagroso 22.07.2008, o país passou a legalizar as terras – e sua produção –, independentemente se oriundas de um ciclo violento de invasões, desmatamentos e espoliação dos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais. O que beneficia o mercado de terras que legaliza seus títulos espúrios (podres), como também o rápido esverdeamento (greening) das “cadeias agroindustriais globais. ”

A chamada Lei da grilagem, Lei nº 13.465/17 (resultado da Medida Provisória nº 759 de 22 de dezembro de 2016), não só autoriza a regularização imediata de cerca de 40 milhões de hectares de terras públicas federais (área maior que a Alemanha), aumentando as áreas públicas ocupadas ilegalmente na Amazônia Legal que podem ser regularizadas; como também desestrutura a política nacional de reforma agrária e facilita a introdução dos assentamentos no mercado de terras, o que leva uma verdadeira contrarreforma agrária no país.

Neste contexto, este Caderno, elaborado conjuntamente entre Comissão Pastoral da Terra – CPT, GRAIN, Associação de Advogada/os de Trabalhadores Rurais - AATR e Associação Brasileira de Reforma – ABRA, aponta as principais alterações nas leis, as principais ilegalidades, assim como possíveis caminhos para o enfrentamento destas ameaçadas nos territórios e por toda a sociedade, já que:

A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores.
A Liberdade da Terra é assunto de todos quantos
se alimentam dos frutos da Terra”
(A fala da terra – Pedro Tierra)

Boa Leitura!

Author: ATTR, ABRA, CPT, GRAIN