Mais de 500 mil pessoas, residentes nas comunidades ao longo das margens do Rio Lúrio nas províncias de Niassa, Nampula e Cabo Delgado, serão severamente atingidas, caso o Conselho de Ministros de Moçambique decida aprovar o chamado Projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio (DVRL) no controverso Corredor de Nacala.
Das mais de 500 mil pessoas, mais de 100 mil serão removidas das suas terras e casas. Trata-se de um projecto que foi secretamente apresentado a um grupo restrito, em Janeiro de 2014, num dos hotéis da cidade de Maputo, tendo reunido representantes do governo, agências de cooperação internacional e do sector privado, especificamente empresas nacionais e estrangeiras.
Este projecto insere-se num contexto de rápida transformação e conversão do chamado Corredor de Nacala em epicentro de penetração e disputa pelo controlo de terra e água pelas grandes corporações internacionais, incluindo agências de cooperação internacional, ao serviço de seus países de origem. Deste modo, o executivo moçambicano intensifica cada vez mais a atracção do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) e o estabelecimento das chamadas parcerias público-privadas como parte de sua estratégia de promoção da agricultura de grande escala, numa área já afectada pelo polémico programa triangular de agricultura em grande escala, ProSavana.
A Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) e a GRAIN, souberam, de fontes seguras, cujas identidades são omissas por motivos de segurança, que o Projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio havia sido submetido, primeiramente, no Ministério de Agricultura e Segurança Alimentar (MASA) e que agora se encontra no Conselho de Ministros, conforme previsto na lei quando se trata de investimentos dessa magnitude, para sua imediata aprovação. O mesmo está orçado em USD 4.2 mil milhões destinados para exploração agro-pecuária e construção hidroeléctrica sobre o Rio Lúrio.
Com o projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio (DVRL) pretende-se ocupar mais de 240 mil hectares para produção de monoculturas destinadas à exportação, tais como: algodão, milho, açúcar e etanol, bem como à exploração pecuária. Igualmente, se prevê a construção de duas barragens hidroeléctricas sobre o Rio Lúrio para produção de energia eléctrica, com uma capacidade de 40 MW e 15 MW, respectivamente, e um sistema de irrigação.
A alínea a), do número 3, do artigo 22, da Lei de Terras (Lei nº 19/97, de 1 de Outubro) confere somente ao Conselho de Ministros a prerrogativa de conceder áreas superiores a 10.000 hectares desde que a sua efectivação seja possível tendo em conta o mapa local de uso de terra. No entanto, uma decisão desta natureza, por lei, carece de um parecer do Ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, segundo definido na alínea c), do número 2, do artigo 22, que é de dar parecer sobre os pedidos de uso e aproveitamento da terra relativos a áreas que ultrapassem os 10.000 hectares. Na prática, tem havido um uso abusivo desses poderes, resultando na aprovação de projectos com impactos severos na vida de milhares de moçambicanos.
A ADECRU e a GRAIN apuraram que o projecto do desenvolvimento do Vale do rio Lúrio será implementado por uma empresa já criada, denominada Companhia do Vale do Rio Lúrio (CVRL), sob gestão do consórcio TurConsult e Agricane. Até ao momento não se sabe a estrutura accionista que suporta a companhia DVRL devido ao alto nível de secretismo. Contudo, sabe-se que a TurConsult é uma empresa de prestação de serviço na área de turismo e é gerida por Rui Monteiro, um homem bastante influente na área de hotelaria e turismo. Agricane é uma empresa sul-africana de produção de cana e prestação de serviços de consultoria a produtores de grande escala em África, muito em particular na indústria de açúcar. A ADECRU solicitou uma entrevista com a TurConsult, no entanto, até o fecho do presente artigo não obteve nenhuma resposta por parte desta empresa.
Membros do Conselho de Coordenação Político-Associativa e Executiva da ADECRU visitaram, nos dias 2 e 3 de Maio de 2015, o vale do Rio Lúrio mantendo diálogos com comunidades dos distritos de Chiuri em Cabo Delgado, Malema e Erati em Nampula, tendo constatado que as mesmas desconhecem o Projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio. Membros e líderes das comunidades de Cathai, Munhacuco, Nhequedza, Niveta e Namapa, disseram à ADECRU que nunca ouviram falar do referido projecto.
Com base nos princípios da participação democrática do cidadão na vida pública e da obrigatoriedade de publicar informações de interesse e domínio público, garantidos pela Lei nº 34/2014, de 31 de Dezembro, mais conhecida por Lei do Direito à Informação, a ADECRU solicitou, junto do Conselho de Ministros, o dossiê técnico do Projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio incluindo as demais informações, relativas ao Estudo de Avaliação de Impacto Ambiental. Até à data da publicação deste artigo, a ADECRU ainda não tinha recebido nenhuma resposta.
A imagem abaixo foi extraída da apresentação feita pela DVRL em Janeiro de 2014 e mostra claramente as áreas que serão afectadas com a implementação de projectos agrícolas de grande escala para a exportação e criação de animais.
Dados preliminares analisados pela ADECRU indicam que mais de 500 mil pessoas serão afectadas pelo projecto de forma cumulativa a jusante, assim como a montante. Destas, mais de 100 mil pessoas serão desterradas das suas comunidades, para dar lugar aos grandes investimentos em agro-pecuária, numa área estimada em cerca de 240 mil hectares de terra.
A ADECRU e GRAIN vem a público denunciar e manifestar sua preocupação e indignação, bem como repudiar e posicionar-se contra a aprovação do Projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio nos termos e pressupostos em foi concebido e tem vindo a ser viabilizado exigindo, para o efeito, que o Conselho de Ministros de Moçambique o reprove, devido aos seus destruidores e fatais impactos na vida de mais de 500 mil pessoas e da biodiversidade.
O rio Lúrio é o segundo maior de Moçambique depois do rio Zambeze, tem uma bacia estimada em 60,800 km² e um caudal médio anual de 227 metros cúbicos por segundo, percorrendo cerca de 500 quilómetros. O projecto de Desenvolvimento do Vale do Rio Lúrio será implementado ao longo dos distritos banhados pelo Rio Lúrio nomeadamente: Lalaua, Malema, Mecuburi, Erati e Ribáuè na província de Nampula; Namuno e Chiuri na província de Cabo Delgado; e Metarica e Nipepe na província de Niassa.
Contactos
Clemente Ntauazi, ADECRU, Maputo (Português)
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Devlin Kuyek, GRAIN, Montreal (Inglês)
+1 514 571 7702
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