Editorial
Vinte anos. Data mítica que a memória volta e volta a invocar. Com este número 80, Biodiversidade, sustento e culturas cumpre tal ciclo: vinte anos de ir tecendo ou plantando, de ir armando ou construindo, de articular, limpar e colher o trabalho continuado e o compartilhamento de vontades e olhares, de palavras prontas ou repensadas, que a partir dos rincões vão formando um mosaico, uma trama comum, tão latino-americana. Somos uma nuvem que amontoa muitas nuvens, um quebra-cabeça que nunca se completa, que continua agregando e agregando o que as pessoas ressaltam, invocam, indagam e articulam para que sejam ouvidas as vozes esquecidas, as histórias não contadas ou apagadas de propósito, as visões caladas.
Palmo a palmo, passo a passo, as histórias e relatos que foram convergindo nas páginas da revista (e o impulso de torná-la possível com a Alianza Biodiversidad, esse coletivo a partir do qual nos nutrimos) nos falam de um enorme esforço de convergência, de confiança, de reconhecimento mútuo e surpresas compartilhadas. No caminho andamos, disse o tropeiro, assim como nós, que às vezes pisamos mal, ou que erramos de plano, ou caímos em contradições terríveis. E certamente continuaremos fazendo isso, porque todas e todos estamos incompletos sempre, e só na comunidade podemos encontrar a plenitude ausente.
Amarramos assim o tecido do que somos como comunidade que junta comunidades, como ferramenta para reunir experiências e disseminá-las, para abrir as brechas pertinentes e nos voltar para mais veredas e caminhos e rincões. Nosso trabalho criativo e nosso desafio é nos vincular: abrir os espaços para pensar juntos. Voltar-nos para a menor e mais recôndita cotidianidade a tempo de entrever com assombro o panorama completo de como funciona o capitalismo realmente existente e sua maneira de atacar; ou vislumbrar as entranhas mais detalhadas das lutas de resistência dos povos.
Acalentamos em nossas mãos o que as pessoas e as comunidades vão nos narrando, o que insistem que é importante e crucial recuperar para que o presente tenha sentido (pelo futuro, é claro): mas o futuro é esse presente reiterado confiança a confiança, justiça a justiça, liberação a liberação, negação a negação, transformação a transformação, paixão a paixão, reivindicação a reivindicação.
Depois de vinte anos continuamos empenhados em nos aproximar de comunidades, organizações e pessoas que, diretamente, procuram entender com outros e outras o que ocorre. Queremos chegar diretamente ao coração das comunidades, para que, em primeira mão, nos encontremos em um lugar comum. Celebramos os vinte para continuar caminhando junto aos povos.
Biodiversidade