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A aprovação das normas para o comércio das sementes por parte do COMESA será catastrófica para os pequenos agricultores e a soberania alimentar em África

by Aliança para a Soberania Alimentar em África (AFSA) | 11 Oct 2013

1. A Aliança para a Soberania Alimentar em África1 condena vivamente a aprovação do projecto de Lei para a Harmonização do Comércio de Sementes de 2013 (doravante referido como «Lei das Sementes»), por parte do Conselho de Ministros do Mercado Comum para a África Oriental e Austral (COMESA), em Setembro de 2013.

2. Segundo o artigo 9º do Tratado, a lei das sementes do COMESA aplica-se obrigatoriamente a todos os seus estados membros. Não há, contudo, indícios de que os cidadãos dos países do COMESA, e principalmente, os pequenos agricultores, tenham sido consultados ou envolvidos neste processo, apesar dos inúmeros pedidos para que fossem. Entendemos que um grupo técnico dos países do COMESA, com a colaboração da Associação Africana para o Comércio das Sementes (AFSTA) e a Aliança para o Comércio dos Produtos Básicos na África Oriental e Austral (ACTESA), financiado pela USAID e a UE, deliberou sobre estas questões e redigiu normas que o Conselho de Ministros assinou agora, com a intenção de as aplicar nos Estados Membros do COMESA.

3. As várias exposições que as Organizações da Sociedade Civil e os representantes dos pequenos agricultores fizeram num workshop do COMESA, organizado pela ACTESA, entre 27 e 28 de Março de 2013, em Lusaka, no Zâmbia, informando das preocupações acerca da incorrecção do processo e das implicações da lei para os pequenos agricultores e a biodiversidade agrícola em África foram claramente ignoradas.

Sinopse das Normas das Sementes do COMESA

4. A aparente lógica da lei das sementes é aumentar a diversidade, a qualidade e a quantidade de sementes disponíveis para os agricultores na região e reduzir os custos das transacções para a indústria das sementes que actualmente vigoram, de acordo com diferentes acordos normativos e comerciais dos vários países da região. Esses acordos normativos divergentes são considerados barreiras não tarifárias. O cenário previsto é de um comércio transfronteiriço nacional livre e homogéneo de sementes na região do COMESA que, por sua vez, atrairá um maior investimento privado pelos mercados expandidos.

5. A lei das sementes prevê procedimentos de análise das variedades estandardizados e uniformes para que cada semente possa ser certificada e incluída numa lista regional de variedades, bem como uma maior participação do sector privado no próprio processo de certificação da semente.

6. A Lei das Sementes do COMESA facilitará muito a transformação agrícola nos seus estados membros2 para sistemas agrícolas industrializados e baseados na lógica do modelo agrícola altamente controverso, fracassado e sem futuro da Revolução Verde. A Lei do COMESA orienta-se para a criação de um ambiente propício a uma participação mais alargada do sector privado no comércio das sementes da região do COMESA, uma vez que só promove um tipo de produção de semente, nomeadamente industrial, com recurso a tecnologias de produção avançadas.

7. A orientação central da Lei das sementes é no sentido de se produzirem variedades de sementes comerciais e geneticamente uniformes, em termos de controlo de qualidade e registo de variedade. Torna-se por de mais evidente que os pequenos agricultores africanos que procurem desenvolver ou manter determinadas variedades, criar negócios locais de sementes ou cultivar variedades adaptadas ao local ficam excluídos do Sistema de Certificação de Sementes e do Sistema de Autorização de Sementes proposto pelo COMESA, porque as suas variedades não preencherão os requisitos de distinção, uniformidade e estabilidade (DUS). As espécies naturais e as variedades criadas pelos agricultores tendem a apresentar um elevado grau de heterogeneidade genética e a adaptar-se ao ambiente local onde foram desenvolvidas. Para além disso, essas variedades não são necessariamente distintas umas das outras.

8. Oito estados membros do COMESA3 também são Estados membros da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). A própria SADC tem um conjunto de Acordos Técnicos de Harmonização de Leis das Sementes na sua região que difere da lei do COMESA em aspectos significativos, sobretudo relativos ao registo das espécies naturais e outras variedades locais, bem como das variedades transgénicas. A incompatibilidade entre essas normas suscita preocupação e originará, sem dúvida alguma, muitas anomalias e confusões.

Preocupações preponderantes

9. As normas fazem vista grossa aos pequenos agricultores e às de sementes tradicionais. Nâo contêm quaisquer medidas para salvaguardar a diversidade nas quintas e a manutenção contínua de variedades de cultivos heterogéneos, tais vitais para garantir sistemas de segurança e alimentos resistentes para o futuro. Essa diversidade é uma parte importante do fundo genético de que necessitarão as gerações futuras para desenvolver e criar plantas capazes de resistir às futuras pragas e doenças, bem como factores ambientais tais como as mudanças climáticas.

10. Posto isto, as nossas principais preocupações concentram-se no impacte que terão as disposições sobre a certificação das sementes e a autorização das variedades sobre a conservação da diversidade genética vegetal das variedades familiares, tradicionais e polinizadas ou das espécies naturais. São variedades que raramente estão registadas ou protegidas por direitos do criador, patentes, ou outras formas de propriedade intelectual. Regra geral, não preenchem os requisitos DUS fixados pela lei e não são elegíveis para registo na lista de variedades regionais do COMESA. Com efeito, a lei das sementes não inclui qualquer artigo que salvaguarde a diversidade genética e proíba a sua extinção.

11. As normas não incluem qualquer disposição em defesa dos direitos dos agricultores. Consideram-se direitos dos agricultores aqueles que derivam dos contributos passados, presentes e futuros, para a conservação, a melhoria e o acesso alargado aos recursos genéticos, em particular, nos centros de origem/diversidade. O conceito de Direitos dos Agricultores é reconhecido no Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais da FAO, (“Tratado das Sementes”) que entrou em vigor em 2004. De entre os objectivos do Tratado das Sementes destacam-se a conservação e a utilização sustentável dos recursos genéticos vegetais para a alimentação e a agricultura. O preâmbulo afirma os direitos dos agricultores de guardar, utilizar, trocar e vender sementes e outros materiais propagantes das suas terras, bem como de participar nos processos de tomada de decisões.

12. Em acréscimo, o Artigo 9º do Tratado reconhece o enorme contributo que tanto as comunidades locais e indígenas como os agricultores de todas as regiões do mundo, especialmente oriundos dos centros de origem e diversidade dos cultivos, fizeram e continuarão a fazer pela conservação e o desenvolvimento dos recursos genéticos vegetais que constituem a base da alimentação e da produção agrícola do mundo inteiro.

13. A lei das sementes não promovem igual acesso de todos os actores ao mercado do COMESA. Nesta questão, a legislação não adoptou uma abordagem justa para todos os actores do sector. A lei das sementes do COMESA só criou um sistema que favorece a semente comercial geneticamente uniforme. Não se contempla a criação de um sistema adequado para as variedades dos agricultores.

14. Embora sejamos totalmente a favor do acesso dos agricultores a sementes de boa qualidade, entendemos que esta lei das sementes do COMESA não considera as necessidades dos pequenos agricultores, tendo sido formulada para benefício dos produtores de sementes empresariais que procuram controlar o mercado das sementes e dos alimentos, na região do COMESA. Por mais que as sementes registadas possam estar disponíveis no mercado, os pequenos agricultores não terão meios para as comprar. Actualmente, apesar da presença das empresas de sementes comerciais e da disponibilidade de sementes certificadas no mercado do COMESA, a maioria dos agricultores só as poderá comprar com o apoio de subsídios de financiamento governamental dos agricultores. Já é uma despesa colossal para os governos que se esforçam arduamente por restruturar os seus programas de incentivos e poupar as limitadas receitas fiscais.

15. Colocamos em causa a lógica ecológica e agronómica que se aplica à analise da variedade das sementes em dois países do COMESA para subsrquente auotização em toda a região, como prevê a lei das sementes. Os países não têm todos as mesmas condições agro-ecológicas. Não pode haver garantias de qualidade e segurança, se as sementes autorizadas nos 17 estados-membros só forem analisadas segundo o sistema de dois deles. Para além disso, a lei atenta contra a soberania dos estados membros do COMESA. Os governos nacionais parecem ter perdido os seus direitos soberanos, sendo agora obrigados a submeter as sementes a uma análise, antes de poderem autorizar qualquer variedade no mercado nacional.

16. Também nos preocupa os requisitos negligentes para a autorização das variedades existentes em todos os países do COMESA. Colocamos em causa o equilíbrio agronómico e ecológico das normas para os estados-membros com ecossistemas, zonas económicas, tipos de solo biodiversidade, regimes insectívoros e daí por diante, totalmente diferentes.

17. As disposições relativas aos OGM na lei das sementes do COMESA diferem substancialmente da lei das sementes da SADC. No que respeita aos Acordos Técnicos sobre a Harmonização das Leis das Sementes da SADC na Região da SADC, as sementes geneticamente modificadas não podem ser incluídas no Catálogo de Variedades da SADC. A Lei das Sementes do COMESA não inclui disposições semelhantes, pelo que as variedades transgénicas podem constar do Catálogo de Variedades do COMESA e ser autorizadas nos estados-membros do COMESA, sobretudo naqueles que não dispõem de normas de bio-segurança.

18. A Lei do comércio das Sementes do COMESA irá certamente estabelecer as bases para a comercialização e a mercantilização da agricultura africana. Por detrás desta questão do COMESA, está a sombra das multinacionais agroquímicas, como a Monsanto, a DuPont, a Syngenta e outras, bem como o investimento privado. Facilitar novos mercados para a sementes comercial em África é permitir uma futura ocupação pelas multinacionais, como aconteceu em todas as grandes empresas de sementes da África do Sul e está a acontecer noutras partes de África, como por exemplo, no Zâmbia.

19. Exigimos que a Lei das Sementes do COMESA seja totalmente revista. Instamos os patrocinadores a desistirem de apoiar a implementação desta lei. Exigimos um processo aberto e transparente que inclua a participação dos pequenos agricultores, especialmente para debater leis das sementes mais adequadas à África, cujas prioridades são naturalmente a obrigação de proteger a biodiversidade, os direitos dos agricultores e a produtividade ecológica em geral.

CONTACTOS

1. Million Belay, Coordenador AFSA email: [email protected]
2. Elizabeth Mpofu, ZIMSOFF, Via Campesina África 1, Secretariado Internacional, La Via Campesina  email: [email protected]
3. Joe Mzinga, ESAFF email: [email protected]
4. Bridget Mugambe, SEATINI email: [email protected]

 

Aliança para a Soberania Alimentar em África (AFSA) http://www.africanbiodiversity.org/content/alliance_food_sovereignty_afsa representa uma voz continental contra a constante imposição da agricultura industrial na África e em prol da soberania alimentar, através da agricultura ecológica. A AFSA é uma aliança abrangente de redes regionais de agricultores e NGO africanos, juntamente com vários outros parceiros. O seu objectivo é criar uma maior coesão continental num movimento de soberania alimentar que já se desenvolve em África.

O COMESA consiste em 20 países africanos, nomeadamente, o Burundi, Cômoros, a República Democrática do Congo, o Djibouti, o Egipto, a Eritreia, a Etiópia, o Quénia, a Líbia, Madagáscar, o Malawi, as Maurícias, o Ruanda, as Seicheles, o Sudão, o Sudão do Sul, a Suazilândia, o Uganda, a Zâmbia e o Zimbabwe.

Author: Aliança para a Soberania Alimentar em África (AFSA)
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