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O sol debaixo das patas dos cavalos. Direitos da Natureza e geoengenharia

by Elizabeth Bravo | 5 Oct 2011

Direitos da Natureza e geoengenharia

O sol debaixo das patas dos cavalos

Elizabeth Bravo

Jorge Enrique Adoum escreveu, em 1970, O sol debaixo das patas dos cavalos, onde trata sobre a conquista espanhola dos Andes. O livro faz referência ao fim de uma civilização solar: a uma sociedade agrícola derrotada pelo poderio europeu com uma tecnologia de guerra que os povos andinos não conheciam: as armas de fogo.

Agora o sol está a ponto de voltar a cair debaixo dos cascos de novas tecnologias, desconhecidas para a maioria da humanidade: a geoengenharia.

A maioria da vida na terra depende da capacidade que as plantas, as algas e as cianobactérias têm de usar a energia do sol para tansformar o CO2 atmosférico em alimentos (hidratos de carbono) e oxigênio, através do processo da fotossíntese. Esses são os únicos organismos capazes de elaborar seu próprio alimento; todos os outros seres vivos dependem dos alimentos elaborados pelos organismos fotossintetizadores. A respiração de todos os seres vivos, junto com a decomposição orgânica (feita por bactérias e fungos), permite que o carbono biológico retorne à atmosfera, ainda que uma parte fique fixada nos tecidos dos seres vivos e no solo.

Estima-se que na ausência da interferência humana, a cada 20 anos há uma renovação total do carbono atmosférico. O carbono é armazenado em três grandes depósitos: terrestre (20 mil Gt), atmosfera (750 Gt) e oceanos (40 mil Gt). Apesar de o reservatório atmosférico ser o menor dos três, é ele que determina o clima terrestre. Mas, devido às atividades da civilização petroleira, existe demasiado CO2 (fóssil) na atmosfera, o que levou ao aquecimento global. Para esfriar o globo planetário, a geoengenharia propõe reduzir a quantidade de luz solar que chega ao Planeta.

Alterar o ciclo de carbono. Os oceanos representam o maior depósito de carbono e, através de processos químicos, há uma transferência de CO2 para a atmosfera, estabelecendo-se um delicado equilíbrio entre as camadas superficiais do oceano e o ar superficial. A quantidade de CO2 que o oceano absorve depende da temperatura (sendo uma absorção maior quando a temperatura é mais baixa) e da concentração.

O fitoplâncton absorve grandes quantidades de CO2, e este é consumido pelo zooplâncton em poucos dias. Uma percentagem do carbono é acumulada no fundo do mar, quando as conchas do zooplâncton, compostas de carbonato de cálcio, depositam-se no fundo após sua morte. Outra percentagem, gerada nos processos biológicos dos organismos marinhos, sobe para a atmosfera.

Agora querem alterar esse equilíbrio limitando a entrada de energia solar na Terra para esfriá-la, mas isto, ao mesmo tempo, limitaria o processo de fotossíntese. Há pelo menos duas formas de fazer isso:

Uma das propostas em experimentação é o chamado “branqueamento das nuvens” (ou modificação da reflexividade das nuvens) que têm como objetivo incrementar o albedo, ou seja, a reflexividade da superfície terrestre; a energia refletida pela Terra para o universo. Quanto maior é o albedo, maior é o retorno de energia da Terra para o universo e menor a quantidade de energia radiante solar disponível para a consecução da vida no Planeta.

Essa é uma proposta absurda, pois enquanto por um lado o Planeta se esfria devido á menor incidência de energia solar, por outro lado se aquece porque haveria menor possibilidade de as plantas e as algas fazerem fotossíntese e capturarem o CO2 atmosférico, mas é perigoso, principalmente porque afeta o albedo.

O multimilionário Bill Gates é um dos que apoiam essa iniciativa através de um financiamento a um grupo de pesquisa em São Francisco chamado Silver Lining. O princípio através do qual este projeto funciona é que as nuvens formam-se de partículas (aerossóis) suficientemente pequenas para se manterem em suspensão no ar, chamadas “núcleos de condensação de nuvens”. O Silver Lining está desenvolvendo máquinas que convertem a água do mar em partículas microscópicas capazes de serem lançadas a mil metros de altura. Isso aumentaria os núcleos de condensação de nuvens, a formação de nuvens e, portanto, o albedo.

Um primeiro “ensaio” pretenderia colocar no mar dez barcos que afetarão 10 mil quilômetros quadrados de oceano. A máquina pode extrair dez toneladas de água marinha por segundo. De acordo com a informação proporcionada pelo Grupo ETC, um dos lugares onde se fariam as primeiras provas seria no Pacífico, em frente do Equador (o país dos direitos da natureza), Peru e Chile.

Outra proposta, na mesma linha, consiste em bombardear a estratosfera com milhões de aerossóis de sulfato para incrementar a formação de nuvens. A introdução de grandes quantidades de sulfato no ar pretende replicar de maneira artificial as erupções vulcânicas: gerar grande quantidade de substâncias poluentes que tornem o céu opaco, propiciem a criação de nuvens, e esfriem uma área, pelo menos regionalmente. A intenção é criar esse ambiente vulcânico em nível mais generalizado, para que tenha um impacto no clima planetário.

Nos oceanos, o dimetil sulfeto é a fonte mais importante de formação de núcleos que formam nuvens. Essa molécula é produzida pelo fitoplâncton oceânico, mas pode ser muito poluente em condições de desiquilíbrio ecológico. Por exemplo, é responsável pelas chuvas ácidas em zonas altamente industrializadas nas quais são gerados poluentes com base no sulfeto. A presença de grandes quantidades de sulfeto, acima da capacidade biológica de reciclá-lo, afetará a vida nos oceanos. E se constituiria numa flagrante violação aos direitos da Natureza, pois a vida sobre a Terra depende do fluxo de energia procedente do Sol. Ainda que só uma pequena fração da energia solar que alcança a Terra se transforme na energia que impulsiona todos os processos vitais, ela é a quantidade suficiente para que a vida continue no Planeta.

James Fleming descreve essa tecnologia como uma declaração de guerra à estratosfera. Será necessário um bombardeio constante de partículas para poder regular o clima em longo prazo e em nível planetário.

Os cientistas que estão brincando com o clima não conseguem prever os impactos que essas mudanças podem gerar nos processos biológicos, na estrutura dos ecossistemas e em suas funções (que também estão “protegidos” pela Constituição do Equador).

Qual é a motivação que está por trás desses perigosos experimentos?

Em sua obra sobre a conquista espanhola, Adoum faz um de seus personagens perguntar a um soldado:

Por que você está nesta guerra a milhares de quilômetros de seu país?

E o soldado lhe responde:

Porque me pagam melhor do que em qualquer outro lugar.

Hoje há bilhões de dólares por trás do negócio da mudança climática.

Geoengenharia e direitos da Natureza. Essas novas tecnologias surgem com força quase em paralelo com um dos principais aportes que o Equador faz à história da humanidade: o reconhecimento dos direitos da Natureza.

Que relação há entre esses dois eventos já que a geoengenharia viola os direitos da Natureza, tal como estão estipulados na Constituição equatoriana? Vejamos o que diz o artigo 72.

A natureza, ou Pachamama, onde se reproduz e realiza a vida, tem direitos a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais.

Nos casos que vimos, essas tecnologias estariam atentando contra o ciclo do carbono.

E, uma vez que os experimentos que estão fazendo ultrapassam os limites nacionais, os direitos da Natureza deveriam ser universais.

Fontes

Constituição do Equador, 2008

http://www.handsoffmotherearth.org/2010/05/bill-gates-funds-field-trialglobal-coalition-urges-immediate-haltto-geoengineering/

James Fleming. “The Climate Engineers”, The Wilson Quarterly, primavera, 2007.

Author: Elizabeth Bravo
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